Visitas guiadas por ex-presos políticos no Forte de Peniche, intervenções políticas e canto livre preencheram, dia 26 de Outubro, o Encontro-Convívio de ex-presos políticos, familiares e antifascistas que se reuniram para celebrar a construção do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.
Numa iniciativa da URAP, para assinalar o encontro de há três anos que visou a revolta contra o anúncio feito então pelo Governo que a fortaleza seria uma pousada turística de luxo, Marília Villaverde Cabral saudou as centenas de pessoas presentes e lembrou todo o processo de luta daí decorrente.
A coordenadora da URAP, congratulou-se com a inauguração da primeira fase e com as obras em curso do futuro museu destinado a mostrar "os locais onde os presos políticos viveram anos a fio, foram castigados ou torturados, e os documentos, fotografias, vídeos que retratam factos desse período negro da nossa História e onde investigadores, mestrandos e doutorandos vão poder enriquecer os seus trabalhos".
"O número de visitantes, mais de 100 mil e sempre a crescer, demonstra bem o interesse das pessoas de todo o país em conhecer esta parte da nossa História que não é falada nas escolas, na comunicação social, com raras excepções. E assim, passo a passo se vai esquecendo e branqueando o fascismo", disse.
Vítor Dias, da URAP, falou sobre a 5ª edição do livro "Forte de Peniche – Memória, Resistência e Luta", que atingiu já 11 000 exemplares, um notável êxito no plano editorial português, e da sua divulgação em muitas dezenas de sessões públicas por todo o país envolvendo muitas centenas de democratas.
Este livro, afirmou Vítor Dias, "tem sido um valioso instrumento da luta que, por imperativo de consciência, travámos contra o projecto de transformação do Forte de Peniche num hotel de luxo e pela edificação (...) de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade".
Depois de elencar o trabalho desenvolvido por todos para que a criação do museu fosse possível, Vítor Dias considerou que foi "uma grande vitória na preservação dos valores da memória histórica e na pujante afirmação do valor supremo da liberdade e que valeu a pena a persistência, a tenacidade, a firmeza de convicções e a unidade dos que souberam reclamar e lutar".
Vítor Dias referiu os mais importantes capítulos do livro, falou da libertação dos presos políticos da fortaleza, homenageando o papel desempenhado pelos Cdte. Machado dos Santos e Major Moreira de Azevedo, e destacou a lista dos 2 510 antifascistas que cumpriram penas em Peniche entre 1934 e 1974.
"(...) Mais do que uma lista de nomes, nunca nos esqueçamos que se trata mais de uma lista de 2 510 vidas, vidas sofridas e vidas aprisionadas mas sobretudo vidas que são exemplo de coragem e firmeza, vidas que se sacrificaram para que, entre tantas outras conquistas passadas, hoje possamos estar aqui não a celebrar saudades que não temos desse passado de sufoco, terror e negrume que foi o fascismo mas a levantar sempre e sempre a bandeira dos grandes valores e ideais progressistas que são essenciais à construção do nosso futuro colectivo", disse.
A sessão pública dirigida por João Neves, do núcleo de Peniche da URAP, terminou com a intervenção do ex-preso político e dirigente da URAP José Pedro Soares.
Para José Pedro Soares, foi a mobilização dos democratas que conseguiu libertar todos os presos políticos após o 25 de Abril de 1974, como foi a mobilização dos democratas que conseguiu erguer na Fortaleza o museu da resistência.
O orador saudou o papel de todos os antifascistas neste projecto, destacando a URAP pelo levantamento dos nomes dos presos políticos que se encontram inscritos no memorial, e referiu o roteiro antifascista da solidariedade da população Peniche.
José Pedro Soares lembrou outros símbolos da luta e resistência ao fascismo pelos quais a URAP se tem batido, como mausoléu aos presos políticos caídos no Tarrafal, o museu do Porto na antiga sede da PIDE, e o Museu do Aljube, em Lisboa. Saudou ainda o projecto em concretização na cadeia de Caxias, onde estiveram encarceradas sobretudo mulheres.
A exumação do ditador espanhol, Francisco Franco, do Vale dos Caídos para um cemitério comum, ocorrida dia 24 de Outubro, e a vontade da autarquia de Santa Comba Dão de transformar a escola primária do ditador português, Oliveira Salazar, num museu alegadamente para estudo do fascismo, mas que se poderá transformar rapidamente num local de culto e exaltação das ideias reaccionárias e de direita contrárias ao espírito da revolução de Abril foram assuntos tratados no discurso.
Na sua intervenção, José Pedro Soares não esqueceu a actualidade internacional recordando vários povos em luta, e denunciando a existência de presos políticos na Catalunha. "Somos antifascistas e internacionalistas, somos solidários", sublinhou.
Todos os momentos da festa foram entrecortados com Canto Livre, numa actuação a cargo dos "Amigos de Abril" que entoaram várias músicas do cancioneiro da resistência, acompanhados pelos presentes, e por António Pais que disse poemas de Ary dos Santos e dos presos Francisco Miguel, "Natal dos Presos Políticos" de 1965, e António Borges Coelho, "Roseira Verde" de 1962 - Tenho uma roseira verde/que dá rosas todo o ano./A cada rosa que nasce/o meu rosto sofre dano./No canto da minha cela/tenho uma roseira verde.