O escultor João Cutileiro, que trabalhou o mármore com genialidade, autor do Monumento ao 25 de Abril, instalado no Parque Eduardo VII, em Lisboa, entre muitas outras obras, resistente antifascista desde os anos 50, morreu hoje em Lisboa aos 83 anos, vítima de problemas respiratórios.
Nascido a 26 de Junho de 1937, em Lisboa, numa família antifascista, o seu pai era médico da Organização Mundial de Saúde e a sua mãe natural do Alentejo, região que escolheria para residir desde 1985, tendo doado o seu espólio à Direcção Regional de Cultura do Alentejo, à Universidade de Évora e à Câmara Municipal.
Militou no Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUDjuvenil) ainda estudante liceal e em 1960 no PCP. A sua casa de Lisboa acolheu personalidades destacadas da oposição democrática e do panorama intelectual português da época, de artistas, investigadores e compositores, como Celestino da Costa, Estrela Faria, Maria Helena Vieira da Silva, Abel Manta, Avelino Cunhal, Fernando Lopes-Graça, António Pedro, entre outros.
Começou a desenhar com António Pedro em 1946, com apenas 9 anos, com grande influência do Surrealismo, passando em 1949 para o estúdio de Jorge Barradas onde executa trabalhos de modelismo e de pintura, para além de vidrados de cerâmica, e em 1951 para o atelier de António Duarte, onde ampliava os modelos do mestre canteiro, passava a gesso e depois a mármore. Em 1951, com 14 anos, apresenta a sua primeira exposição individual em Reguengos de Monsaraz, numa loja de máquinas de costura, mostrando esculturas, pinturas e aguarelas.
Utiliza desde 1966 máquinas eléctricas para executar o trabalho no corte da pedra, o que viria a contribuir decisivamente para problemas futuros do foro respiratório. Dedica-se ao mármore e surgem as figuras, as paisagens, as caixas e as árvores. Além do mármore, muitas vezes corroído com ácido, trabalhou materiais como o cimento fundido, o bronze, o ferro soldado e o gesso.
João Cutileiro estudou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL), sendo aluno de Leopoldo de Almeida, e formou-se na Slade School of Art, em Londres, por influência de Paula Rego, onde manteve estreitas relações com os portugueses no exílio.
Fez inúmeras exposições em Portugal e no estrangeiro, destacando-se uma retrospectiva na Fundação Calouste Gulbenkian, e a sua obra mais polémica encontra-se em Lagos, onde viveu nos anos 70, D. Sebastião, que confrontou o academicismo do Estado Novo e recebeu fortes críticas.
Famoso também pelas suas esculturas eróticas de corpos femininos, sarcasticamente chamadas As Meninas de Cutileiro, João Cutileiro recebeu o Doutoramento honoris causa pela Universidade de Évora e pela Universidade Nova de Lisboa (2017), foi agraciado com o grau de Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1983). Em 1971 conquistou uma menção honrosa no Prémio Soquil, em Lisboa, e em 2018 foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural pelo Ministério da Cultura.
A URAP apresenta à família do escultor e democrata as suas mais sentidas condolências.