Por M. F.
Este poderia ser o título de um livro de histórias para crianças. Poder-se-ia até contar, com todo o rigor, que os que lá davam entrada eram os mais valentes, generosos, justos e dignos homens do reino. Mas não é uma história de crianças, ainda que quem hoje seja criança deva mais tarde lê-la, para não ignorar a História e saberem o que foi o fascismo em Portugal.
Esta é uma parte, uma pequeníssima parte desse período negro que durou 48 anos!
Os mais velhos, mesmo os que não participaram pelas razões mais diversas na luta contra o fascismo, ouviram com toda a certeza falar das prisões do Aljube, de Peniche ou de Caxias, e até do Tarrafal, como prisões para presos políticos, ou seja, para tudo o que "cheirasse" a comunismo (fossem comunistas - como a maioria era - ou não), para todos os que discordassem do regime em vigor.
Poucos conhecem, porém, as prisões de Angra do Heroísmo: o Castelo e o Castelinho, usadas enquanto o Campo de Concentração do Tarrafal (na ilha de Santiago, Cabo Verde), o célebre "campo da morte lenta", não fosse terminado.
Nos Açores, a Fortaleza de S. João Baptista, o "Castelo", foi a primeira a ser usada para novo "lar" dos presos políticos. Mais tarde foi o Forte de S. Sebastião, o "Castelinho", também em Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, a recebê-los (ver Avante! de 27 Setembro, 2018).
Foi, pois, para estes "castelos" que na década de 30 do século passado, foram enviados inúmeros presos políticos, nomeadamente em 1934, os 152 homens que haviam participado na Revolta dos Marinheiros. As cavalariças, desactivadas por já não terem condições para lá ter os cavalos, foram transformadas em camaratas, pelos vistos adequadas para os novos habitantes. Em Junho de 1935, foi a vez de lá chegar nova leva de prisioneiros, entre os quais Sérgio Vilarigues.
Concluído entretanto o Campo do Tarrafal, finalmente para lá foram transferidos estes e muitos outros presos, entre os quais Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP.
Assim, todos os que já haviam conhecido os prazeres, prémios e benesses de Angra do Heroísmo, foram, em Outubro 1936, juntamente com outros, "inaugurar" o Tarrafal, onde 36 deles deixaram a vida: 32 portugueses, 2 angolanos e 2 guineenses, para não referir os muitos que morreram pouco depois de serem libertados, devido às doenças e maus tratos que lá sofreram.
Se no Tarrafal o prémio maior era ir parar à "frigideira" (onde os presos quase, de facto, "fritavam"), em Angra o prémio era a "Poterna" e o "Calejão", este buraco com 6 metros de profundidade, extremamente húmido e inóspito, onde mesmo em pleno Verão escorria água das escadarias. E, claro, nas ditas Furnas, uma espécie de cano de pedra, onde os presos, mesmo que não coubessem, entravam à coronhada.
Era, pois, para estes "Spas" que os presos, espancados por tudo e por nada, eram levados, lá dormindo em bancos de pedra e lá permanecendo longo tempo.
Uma lápide assinala agora, no Forte de S. João Baptista, esses terríveis tempos, para que jamais sejam esquecidos.
Quando do descerramento dessa lápide, Marília Villaverde Cabral, coordenadora da URAP, lembrou alguns dos apelos dos presos: "Estamos incomunicáveis há um ano. Fomos submetidos aos maiores vexames e insultos. Não há higiene e a comida é intragável". "Toda a correspondência é violada e, quando protestamos, como aconteceu há uns meses, sufocaram-nos com um feroz espancamento e com o envio de vários de nós durante cerca de duas semanas para a 'Poterna'".
Castelo e Castelinho lhes chamavam! Que ironia! Ninguém pense, porém, que agora podemos descansar! Como se pode ver por esse mundo fora, o perigo espreita. É que os inimigos da democracia, esses, não descansam! E ninguém tenha a ingenuidade de pensar que eles cá não estão! Estão, sim, estão aqui mesmo, ao teu lado, ao nosso lado!
Por isso, perguntamos: poder-se-á já esquecer aqueles tempos, aqueles terríveis tempos e o horror que em Portugal já se viveu? Não, nunca! São tempos para lembrar, para que nunca mais regressem!
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As prisões políticas de Angra do Heroísmo em livro editado pela URAP
Tal como foi anunciado em 1 de Outubro de 2018, quando de uma visita de uma delegação aos Açores, a URAP, com o apoio da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, está a elaborar um livro sobre as prisões políticas outrora existentes nesta cidade da ilha Terceira que incluirá, além de uma apresentação e introdução iniciais, vários capítulos em que serão desenvolvidos os aspectos mais significativos da história dos presídios da Fortaleza de S. João Baptista e do Forte de S. Sebastião /Castelinho, procurando assim contribuir para preservar a memória desses espaços e da sua importância no contexto repressivo do regime fascista.
Os aspectos a abordar são os seguintes:
- Notícia histórica dos dois fortes, desde a sua construção no século XVII, enquanto fortalezas militares, mas também com exemplos da sua utilização como prisões político militares, por exemplo cativeiro do rei D. Afonso VI, prisão de Gungunhana, prisioneiros alemães durante a I Guerra Mundial.
- A deportação nos Açores e as prisões políticas de Angra durante a Ditadura Militar (1926-1933) e no período dito do Estado Novo, desde 1933 até à desactivação destas prisões em 1943.
- O quotidiano dos prisioneiros políticos, a sua organização comunitária, a repressão, descrições do Calejão, da Poterna e das Furnas, as tentativas de fuga, os carcereiros, episódios do dia-a-dia, a luta para quebrar o isolamento.
- Lista o mais completa possível, elaborada com base nas fontes impressas e de arquivo disponíveis, abrangendo mais de cinco centenas de presos, com indicação das profissões, naturalidade e data da prisão. Referência particular aos presos naturais dos Açores (estão identificados 40) e ainda 2 mulheres, por serem suspeitas de entregarem aos presos correspondência clandestina e algumas notas biográficas resumidas de presos cuja estada em Angra justifica particular destaque.