Os recentes incidentes que se desenrolaram à volta de uma reunião de topo da extrema-direita europeia a realizar em Lisboa no dia 21 de Abril (que acabou por ser desconvocada), não são meros episódios pontuais e são muito mais perigosos no plano criminal e no plano político dos que as entidades oficiais descrevem. Inserem-se numa ofensiva mais vasta, à escala internacional, de avanços da extrema-direita nas suas várias modalidades, que passam pelo neofacismo e neonazismo e integram skinheads e hammerskins, que são o mais violento e organizado grupo de skinheads que nos Estados Unidos e na Alemanha chegam a constituir pequenos exércitos fortemente armados e equipados e cuja doutrina não é apenas o racismo e a xenofobia, mas a ideologia nazi-fascista de Hitler e Mussolini.
É muito elucidativa a lista das organizações que estavam inscritas para participar nesse encontro, tal como as descreve o Expresso de 14 de Abril. Algumas das quais são:
- Partido Nacional Renovador (PNR), promotor deste Encontro conjuntamente com a sua Juventude Nacionalista.
- Frente Nacional que congrega várias tendências da extrema-direita portuguesa, integrando os mais radicais como hammerskins e o grupo Blood Honour, do Porto, que defende abertamente a ideologia nazi.
- Front National de Jean Marie le Pen que apoia partidos de extrema-direita de toda a Europa, incluindo o PNR português.
- NPD, o maior partido fascista da Alemanha, que nasceu do partido nazi.
-British National Party, cuja propaganda xenófoba já lhe acarretou vários processos.
- Freier Winderstand, cujo lider se auto-intitula "o Hitler de Colónia".
- Noua Drepta, da extrema direita romena.
- Democracia Nacional, partido neonazi, de Valência, cujo lider foi detido e condenado por acções violentas.
- Combat Espanha, que se assume como anti-sionista e anticomunista.
- Fiama Tricolore, partido neofascista italiano.
- FPO, partido austríaco que tem desencadeado campanhas xenófobas.
- Nation, grupo belga, próximo de grupos clandestinos de skinheads paraterroristas.
- PNOS partido suiço xenófobo e racista.
Esta lista documenta claramente a ideologia e prática dos grupos que pretendiam participar na Conferência da extrema-direita europeia em Lisboa. Pela primeira vez desde o 25 de Abril e tão perto da data da nossa Revolução, há na proximidade das datas algo de provocação.
Tal iniciativa não está desligada da reactivação do Partido Nacional Renovador (PNR) que era o seu promotor, e em cujas fileiras "quase todos são salazaristas, muitos são skinheads e admiradores de Mussolini", como o seu responsável admite em entrevistas às revistas Focus e Sábado. Subentende-se também nestas entrevistas que existem estreitas ligações a le Pen e a organizações neonazis alemães.
As ligações do PNR à Frente Nacional, não sendo oficialmente reconhecidas pelo presidente do PNR na sua conferência de imprensa do dia 21 de Abril, não deixam no entanto de ser muito claras. Entre os dez detidos pela Polícia Judiciária no dia 18 de Abril estavam membros da Frente Nacional e do PNR. e todos eles têm passados violentos de agressões racistas, porte de armas proibidas, extorsões, distribuição e posse de propaganda nazi-fascista e racista. Um dos presos era o dirigente da Frente Nacional responsável pelos confrontos racistas no Bairro Alto que levaram à morte do cabo-verdeano Alcino Monteiro e que por isso e por outros crimes já cumpriu várias penas de prisão.
Membros do PNR e da Frente Nacional organizaram em conjunto provocações na Faculdade de Letras contra grupos de jovens estudantes progressistas a quem destruíram murais, pintando por cima palavras de ordem reaccionárias e os símbolos dessas duas organizações fascistas. Os estudantes progressistas não se deixaram intimidar e voltaram a pintar um mural com um cravo vermelho, apesar de terem sido impedidos pela polícia de continuar e de pintar as palavras :"Em defesa dos direitos, liberdades e garantias". Este não é um exemplo isolado, pois se tem repetido em várias outras regiões.
Em termos de organização e de arrogância é notória uma evolução qualitativa dos grupos de extrema-direita, quer em iniciativas e acções provocatórias, quer no forte investimento na Internet, através de blogues e chatrooms como veículo estratégico de captação e recrutamento de novos simpatizantes e adeptos, bem como de propaganda e de concertação de iniciativas comuns.
Estas acções e a reactivação da extrema-direita estão ligadas ao recrudescimento das campanhas de branqueamento do fascismo que pretendem fazer esquecer os seus crimes, desculpabilizar os seus responsáveis e criar condições para abrir caminho aos que querem fazê-lo regressar. São formas de promoção do regime fascista em termos absolutamente incompatíveis com a Constituição da República Portuguesa, o Portugal Democrático e as conquistas de Abril.
O projecto de criação do Museu Salazar promovido pela Câmara Municipal de Santa Comba Dão, como monumento simbólico de louvor a Salazar e ao fascismo, inscreve-se na mesma campanha que levou à classificação de Salazar na categoria de grande português num programa da Televisão pública.
Organizações fascistas têm vindo a convocar uma romagem nacional ao túmulo de Salazar em Santa Comba Dão para o próximo dia 28 de Abril, data do seu nascimento, facto que tem sido alvo de enorme escândalo e de forte oposição por parte das forças democráticas. Mas, levadas ou não a cabo, estas tentativas de reabilitação e enaltecimento de Salazar, representam de facto a articulação de várias acções de propaganda orientadas para a valorização da personalidade e obra do ditador.
Na mesma linha, pseudo-historiadores defendem a teoria de que não existiu em Portugal uma ditadura fascista, mas sim um regime de "autoridade paternalista".
Adulteração da História que pretende fazer esquecer, uma ditadura fascista responsável pelo subdesenvolvimento, o atraso económico, social e cultural, a exploração e miséria do povo e a guerra colonial, ditadura que dominou o país graças a um feroz aparelho repressivo comandado pela polícia política, a PIDE, com os seus campos de concentração, as prisões, as torturas e os crimes, a censura, as perseguições e o medo, que dominaram o país durante quarenta e oito anos.
Os mesmos que negam que o fascismo existiu, hoje, tal como nos tempos da ditadura, fazem do anticomunismo uma arma ao serviço do reforço do papel e da natureza opressora e exploradora do grande capital. É com esse objectivo que a extrema direita se reorganiza em Portugal e no Mundo.
Todos estes factos se inserem numa acção mais vasta que no plano nacional e internacional visa o avanço das forças da extrema-direita e da ideologia neofascista em que as ameaças à liberdade e à autonomia dos povos tomam graves contornos, passando pelas agressões imperialistas comandadas pelos Estados Unidos da América e pelo apertar das medidas repressivas contra as forças democráticas e progressistas.
24 de Abril 2007
Margarida Tengarrinha