O presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão garante, em comunicado datado de 13 de Fevereiro, que a criação do Centro de Interpretação do Estado Novo, a funcionar na antiga Escola Cantina Salazar, no Vimieiro, “é para continuar”.
Leonel Gouveia especifica que “a obra não está parada, é para ser concretizada”, e que um dos espaços interiores do edifício está praticamente concluído. Esta “profissão de fé” do autarca de Santa Comba foi proferida na sequência da saída do Centro de Estudos e Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra, do projecto da Rede de Centros de Interpretação de História e Memória Política da Primeira República e do Estado Novo.
O projecto, que incluía a construção na escola-cantina Salazar, no Vimieiro, de um centro interpretativo, era constituído por mais cinco museus ou centros interpretativos distribuídos por Penacova, Carregal do Sal, Tondela e Seia, locais ligados a figuras da I República e Estado Novo na região das Beiras como António José de Almeida, Aristides de Sousa Mendes, a família Lacerda e os sanatórios do Caramulo e Afonso Costa, respectivamente.
O CEIS20 era o parceiro na área científica da rede - que é dinamizada pela Associação de Desenvolvimento Local (ADICES), com sede em Santa Comba Dão - e invocou para a sua saída a desistência de duas autarquias e diferendos com outras.
Segundo um historiador do centro de estudos, foi a postura por parte das autarquias que levou o CEIS ao afastamento da rede, dando o exemplo da autarquia de Santa Comba que “teve dificuldade em perceber a disciplina necessária” para não cair em tentações, como o acolhimento de uma estátua em bronze e um busto de pedra de Salazar, que passaram para a guarda da autarquia em 2017.
Perante a postura da câmara, a URAP conclui que a Câmara de Santa Comba Dão sempre quis criar na terra natal de Salazar um museu para homenagear o ditador. Para o conseguir, gorada a primeira tentativa, devido ao clamor que se levantou entre os democratas, que não esquecem os 48 anos de fascismo em Portugal e todas as suas consequências, o actual presidente, Daniel Gouveia, abrigou-se sob o guarda-chuva da Rede de Centros de Interpretação de História e Memória Política da Primeira República e do Estado Novo.
Mas 240 ex-presos políticos, muitos democratas e antifascistas e a URAP não cruzaram os braços e uniram-se para denunciar em abaixo assinados com milhares de assinaturas, e uma petição junto da Assembleia da República, já apresentada em Plenário, a tentativa renovada da Câmara de Santa Comba Dão de homenagear Salazar e o regime fascista.
Para Daniel Gouveia, o projecto vai continuar e irão encontrar outro parceiro na área científica, dado que é um “projecto considerado relevante e de interesse estratégico para o desenvolvimento da região, quer do ponto de vista turístico, mas também histórico (…)”.
Para a URAP, urge agora mobilizar novamente os democratas e antifascistas, realizar mais e diferentes iniciativas para impedir que seja criado um espaço – quer se chame museu ou centro interpretativo - na terra onde nasceu o ditador, que não será mais do que um local onde os saudosistas e os actuais defensores do fascismo, que insistem em por aí proliferar, possam encontrar-se, conspirar e organizar-se contra os valores de Abril.
Os historiadores e todos quantos queiram pesquisar a vida de Salazar têm à sua disposição centros de estudos onde a investigação, apoiada em centenas de documentos, pode e deve ser feita, como são os casos do Museu do Aljube, do Forte de Peniche, da Rua do Heroísmo e de Angra do Heroísmo ou, ainda, em Cabo Verde, o Tarrafal.
A Câmara de Santa Comba Dão bem pode insistir num simulacro de museu dedicado ao ditador fascista, mas todos os que amam a liberdade e defendem a democracia lutarão para que tal não aconteça.