A Comissão Parlamentar de Cultura e Comunicação discutiu, dia 16 de Junho, a petição "de repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada criação do ´Museu Salazar´, com esse ou outro nome, em Santa Comba Dão", da autoria da URAP, com a presença de uma delegação da organização
Estiveram presentes na Assembleia da República os subscritores Abílio Fernandes, António Vilarigues, Eulália Miranda, José Pedro Soares, José Sucena e Levy Baptista.
A comissão foi presidida pela deputada socialista Ana Paula Vitorino, que afirmou apoiar as pretensões da petição, sublinhando que quando visitou a Alemanha não viu qualquer "museu ou centro interpretativo público" sobre o nazismo, posição secundada pelos deputados do PCP e BE.
Pela URAP coube a José Sucena fazer a declaração inicial [ver em baixo] e falaram ainda António Vilarigues e José Pedro Soares.
"Aceitar que haja um museu, ou seja lá o que lhe queiram chamar, na escola que frequentou na terra onde nasceu o ditador é, de facto, permitir a existência de um local onde os saudosistas e os actuais defensores do fascismo, que insistem em por aí proliferar, possam encontrar-se, conspirar e organizar-se contra a Democracia que Abril nos trouxe, que a todos os Democratas compete defender", disse José Sucena.
António Vilarigues defendeu que se estude o Estado Novo nas universidades, para que se conheça o que foi o salazarismo, enquanto José Pedro Soares afirmou que se for construído o museu será "não respeitar a luta democrática dos portugueses".
A petição, com 10.396 assinaturas, foi admitida para discussão na Comissão Parlamentar de Cultura e Comunicação em reunião realizada no passado dia 26 de Maio. Deverá agora pronunciar-se sobre o seu teor a ministra da Cultura, bem como todos os grupos parlamentares e será, sem seguida, discutida em Plenário.
Recorde-se que esta petição junta-se ao movimento da carta de 204 presos políticos e de um anterior abaixo-assinado com 18.000 assinaturas sobre o mesmo assunto.
Declaração inicial na Audição da Comissão de Cultura e Comunicação da Assembleia da República, relativa à petição número 81/XIV/1.ª - de repúdio e exigência de que se trave e abandone a anunciada criação do "Museu Salazar", com esse ou outro nome em Santa Comba Dão
Os Subscritores da Petição contra a instalação de um "Museu Salazar", depois rebaptizado como Centro Interpretativo do Estado Novo, tiveram como objectivo, que hoje confirmam, além de protestar e pretender impedir, através da Casa da Democracia, que tal venha a acontecer, porque é sua convicção ser essa a vontade da esmagadora maioria dos Portugueses, também manifestar o seu respeito e agradecimento e, ao mesmo tempo, homenagear as vítimas, os perseguidos e, em geral, o Povo Português que sofreram, cada qual à sua maneira, os assassinatos, as torturas, os anos de prisão, as perseguições e o atraso económico, social e cultural que a política feudal de Salazar lhes infligiram, ou, no dizer do Embaixador Francisco Seixas da Costa, de que foram vítimas em consequência de "um fascismo saloio, mas criminoso de Salazar".
E não se trata de mera retórica, pois todos eles têm nome e fazem parte de uma penosa realidade transversal na sociedade portuguesa. Entre muitos, são os casos de Bento Gonçalves e José Dias Coelho ou Alfredo Dinis (Alex); Álvaro Cunhal e Mário Soares ou Manuel Tito de Morais; António Dias Lourenço, Edmundo Pedro ou José Magro; Nuno Rodrigues dos Santos e Fernando Piteira Santos ou Emídio Guerreiro; Alves Redol e Luís de Sttau Monteiro ou Soeiro Pereira Gomes; Maria Lamas e Georgette Ferreira ou Conceição Moita e Virgínia de Moura.
Mas também daqueles que durante o "Salazarismo Marcelista" tiveram a ousadia de, em plena Assembleia Nacional de partido único, se levantar e denunciar a brutal violência sofrida pelos presos políticos que lutavam pela liberdade e a democracia em Portugal - Francisco Sá Carneiro e Miller Guerra ou Magalhães Mota, como pode ser confirmado pelo ex-preso político barbaramente torturado, aqui presente, José Pedro Soares, e, ainda, dos antifascistas que integravam o "Movimento dos Católicos Progressistas", que corajosamente denunciaram a repressão do regime fascista de Salazar, como Dom António Ferreira Gomes, Francisco Pereira de Moura ou o Padre Felicidade Alves.
A denúncia da ditadura foi, e continuará a ser, bem como a defesa da Liberdade e Democracia, uma preocupação constante de todos aqueles, seja qual for o partido em que se integram, que defendem princípios éticos e humanistas, nos antípodas, portanto, de Salazar.
Para fazer e transmitir a história do fascismo, chamado por Salazar de "Estado Novo", designação, aliás, copiada do fascismo italiano de Mussolini, Portugal tem centros de estudos onde a investigação, apoiada em centenas de documentos e narrativas concretas, pode e deve ser feita, como são os casos do Museu do Aljube, do Forte de Peniche, da Rua do Heroísmo e de Angra do Heroísmo ou, ainda, em Cabo Verde, o Tarrafal.
Aceitar que haja um museu, ou seja lá o que lhe queiram chamar, na escola que frequentou na terra onde nasceu o ditador é, de facto, permitir a existência de um local onde os saudosistas e os actuais defensores do fascismo, que insistem em por aí proliferar, possam encontrar-se, conspirar e organizar-se contra a Democracia que Abril nos trouxe, que a todos os Democratas compete defender.
Acresce que a Constituição da República e a Lei proíbem, em defesa do Estado Democrático, todas as organizações que perfilhem a ideologia fascista (Número 4 do Artigo 46, da Constituição da República Portuguesa), esclarecendo a Lei número 64/78, de 6 de Outubro, que são proibidas e não podem exercer toda ou qualquer actividade as organizações que mostrem... pretender difundir... os valores, os princípios, os expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas, situação em que se integra perfeita e totalmente o tal "Museu Salazar", com esse ou outro nome.
Estas as razões de facto e de direito que fundamentam a Petição apresentada para que a Assembleia da República condene politicamente a criação de qualquer museu que tenha como objectivo revitalizar o ditador Salazar e as suas políticas repressivas e opressoras da Liberdade, procedendo às diligências necessárias ao impedimento de tal intento que ofende profundamente milhares de vítimas do "Estado Novo" e os Portugueses em geral.
Lisboa 16 de Junho de 2020