O ensaísta, filósofo, crítico literário, professor e conselheiro de Estado Eduardo Lourenço morreu terça-feira, 1 de Dezembro, em Lisboa aos 97 anos. Nasceu a 23 de maio de 1923 em S. Pedro do Rio Seco, na Beira Alta.
Um dos mais proeminentes pensadores do século XX, em Portugal, interventor cívico e várias vezes galardoado e distinguido, deixou uma vastíssima obra sobre a cultura portuguesa, nomeadamente sobre Fernando Pessoa, e a identidade nacional.
Eduardo Lourenço foi detido pela polícia na fronteira portuguesa em 1966 por ter subscrito, quatro anos antes, um abaixo-assinado endereçado ao Presidente da República de então no qual se condenava o assassinato do militante comunista José Dias Coelho e se pedia amnistia para os presos políticos. Desde 1962 que tinha uma ordem de captura.
Democrata e antifascista, Eduardo Lourenço participou, em 2015, na inauguração do Museu do Aljube Resistência e Liberdade.
Viveu em França desde 1949, e em 1953 iniciou uma carreira académica, tendo leccionado em diversas universidades europeias e americanas, designadamente nas de Hamburgo e Heidelberg, na Alemanha, Montpellier, Grenoble e Nice, em França, e na da Baía, no Brasil, entre outras. Regressou há alguns anos Portugal onde vinha amiúde e por largos períodos mantendo sempre uma grande ligação e reflectindo sobre a sociedade portuguesa.
O tema da Europa, e do lugar de Portugal na Europa, é recorrente na obra do autor, e "O Labirinto da Saudade", de 1978, o seu trabalho mais celebrado – o primeiro seria o ensaio “Heterodoxo” -, mas foi na poesia e em Fernando Pessoa – sobretudo no heterónimo Álvaro de Campos - que o seu pensamento mais se notabilizou.
“O que eu queria de verdade era ser poeta, no sentido mais vulgar da palavra. Mas acabei por ser um ensaísta, que é grandioso quando se chama Montaigne e banal quando se chama Lourenço”, diria em entrevista, na qual considerou Mário de Sá-Carneiro “um poeta português único, mais genuinamente poeta que Pessoa”. Questionado sobre quem é Eduardo Lourenço, respondeu: “Sou vários. Mas como o lugar de variedade está ocupado por Pessoa, sou uma nota de pé de página ante o poeta que iluminou a minha vida”. A sua obra foi doada pelo autor à Biblioteca Nacional.
Em 2018, foi protagonista e narrador da sua própria história, num filme de Miguel Gonçalves Mendes, “Labirinto da Saudade”, rodado no Hotel do Buçaco. Eduardo Lourenço traça uma viagem através da cabeça do pensador português, constituindo-se como uma "homenagem em vida" do realizador ao ensaísta.
Homem de uma grande simplicidade, grande leitor, diria acerca da dor que carregou depois da morte da sua companheira de 60 anos, Annie Salamon – mulher com uma cultura de referência dos ibéricos em geral e dos portugueses em particular: “a única coisa de que me arrependo é de não ter estado à altura da pessoa que encontrei na minha vida e que a marcou para sempre”.
Annie, que Eduardo Lourenço definiu como “uma pessoa de uma ética impecável, mulher clara e transparente nas suas escolhas, na sua maneira de pensar e de ser”, era filha de Noel Salomon, autor de um estudo monumental sobre a figura do camponês na obra de Lope de Veja.
O corpo de Eduardo Lourenço estará em câmara ardente no Mosteiro dos Jerónimos. Foi decretado para quarta-feira dia de luto nacional em sua memória.