Quando se pensa em teatro, vários nomes nos vêm à memória, entre os maiores está Eunice Muñoz. Morreu dia 15 de Abril, aos 93 anos, 45 em ditadura, 48 em liberdade, como afirmou, após ter cumprido 80 anos de carreira.
“Uma mulher como as outras”, como gostava de ser lembrada, que “ nunca se imaginou fora do teatro, mãe de seis filhos, com netos e bisnetos".
Eunice, figura notável da cultura nacional, disse ao falar de Abril: ”em 74 vi Portugal renascer às mãos de quem lhe queria bem, às mãos de capitães que ousaram trazer ao povo a liberdade na forma da flor do cravo, pela memória desse país de medo e solidão, não pode haver nada que nos possa fazer voltar ao redil. Com ou sem batom vermelho, direi ao fascismo disfarçado, até que não possa dizer mais, Não, Não passarão".
Fez cinema, televisão e teatro, o seu "grande amor". Para Eunice Muñoz, a sua maior queixa prendia-se com a ditadura do Estado Novo e as peças que gostava de ter feito e que lhe "foram roubadas" pela censura.
“Eu e toda a minha geração apanhámos efectivamente esse corte medonho, como quem tira um bocado duma perna", disse Eunice Muñoz à agência Lusa, referindo-se à ditadura, que marcou 33 anos do seu percurso profissional.
"Esse repertório proibido fez muita falta", acrescentou, exemplificando com “Mãe Coragem”, de Bertolt Brecht, que só interpretou em 1986, no Teatro Aberto, dirigida por João Lourenço, mas também com a "Cantora Careca" de Ionesco, que nunca representou.
"E hoje olho para estes jovens com uma grande satisfação, porque, desde a Revolução, não sabem o que isso é, e ainda bem”, assegurou.
Nascida a 30 de Julho de 1928, na Amareleja, Moura, distrito de Beja, numa rua que tem o seu nome, Eunice Muñoz (Eunice do Carmo Munhoz) descende de uma família de três gerações de actores, dos espanhóis Muñoz, no teatro, e dos sicilianos Cardinalli, no circo.
Veio para Lisboa, em 1934, e estreou-se, em 1941, com 13 anos, no Teatro Nacional D. Maria II em “Vendaval”, de Virgínia Vitorino, na então companhia Rey Colaço-Robles Monteiro.
A sua derradeira representação, em Abril de 2020, depois de 120 peças, três dezenas de companhias, inúmeros encenadores, foi de novo no Teatro Nacional, com “A margem do tempo”, do alemão Franz Xaver Kroetz, que interpretou com a neta Lídia Muñoz, em diferentes locais do país, numa digressão que culminou no mesmo palco, onde exactamente 80 anos antes fizera a sua estreia.
Aos 14 anos, entrou no Conservatório de Lisboa, onde tirou o curso de Teatro. Terminaria aos 17 anos com uma média final de 18 valores.
Para só falar em prémios, Eunice Muñoz conta com mais de uma dezena ao longo da sua carreira. No cinema e na televisão, o seu nome está associado a mais de 80 produções de ficção, entre filmes, telenovelas e programas de comédia.
Em 1963, obteve o de melhor actriz, pelo seu papel em "O milagre de Ana Sullivan", de William Gibson, que partilhou com Laura Alves.
"Verão e fumo", de Tennessee Williams (1965), e "As Raposas", de Lillian Hellman (1966) valeram-lhe os prémios de Imprensa de Melhor Actriz, e de Popularidade, da então revista Rádio e Televisão.
Destacam-se ainda os prémios de Carreira da Academia Portuguesa de Cinema, em 2015 (quando o D. Maria II promoveu “74 Eunices - Homenagem a Eunice Muñoz”, a um ano da celebração dos seus 75 anos de actividade), e as distinções de Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (1981), grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1991), Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2011), Grã Cruz da Ordem do Mérito (2018) e a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada (2021). Em 1990, foi-lhe atribuída a Medalha de Mérito Cultural e, em 2009, foi galardoada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade de Évora.
O funeral de Eunice Muñoz realiza-se a 19 de Abril, dia de luto nacional. O corpo sai da Basílica da Estrela seguindo para o cemitério do Alto de São João, em Lisboa. À família, aos amigos e aos amantes de teatro, a URAP apresenta as mais sentidas condolências.