História
O Museu Nacional da Resistência da Bélgica, situado em Anderlecht nos arredores de Bruxelas, foi aberto ao público em 17 de Junho de 1972. Constatando uma lacuna preocupante nos programas lectivos do ensino obrigatório belga relativamente à abordagem ao período da ocupação nazi da Bélgica e da II Guerra Mundial (1939-1945), várias foram as associações de resistentes belgas ao nazismo que procuraram criar condições para que essa grave falha fosse colmatada.
Tanto que constituiu uma constatação unânime entre os lutadores pela libertação belga que lhes competia uma derradeira responsabilidade social e histórica nacional: a de legarem às gerações vindouras informações e documentos autênticos que não tivessem sofrido qualquer deformação após a libertação da Bélgica. De facto, só com o realismo visual do acervo recolhido no Museu se tornou possível conhecer o que foi a ocupação a muitos dos que não viveram os tempos sombrios e difíceis dos belgas que se recusaram a submeter-se à ocupação criminosa do III Reich alemão.
O local escolhido para albergar o Museu, o n.º 14 da Rue Van Lint no bairro de Anderlecht em Bruxelas, não foi também escolhido ao acaso: na realidade, esta casa albergou uma pequena unidade de produção secreta dos tipos dos caracteres para a imprensa clandestina da Resistência Belga durante a ocupação nazi. A promoção de um ideal nacional da Resistência, sem distinção da orientação política, filosófica e religiosa das associações patrióticas que auxiliaram na instalação do Museu, justifica amplamente o seu carácter nacional. Como grande ensinamento para o futuro, os resistentes belgas pretenderam que o Museu constituísse também uma forma de alerta para os homens de amanhã nunca mais permitirem que se perpetrassem guerras e genocídios indignos da humanidade. O combate ao fascismo e à guerra foi o ideal que os resistentes belgas entenderam como promotor de um mundo de paz e cooperação entre todos os povos.
Características do Museu
O Museu Nacional da Resistência da Bélgica possui no seu espólio 670 títulos associados à imprensa clandestina no país durante a ocupação nazi (1940-1945), a que se associa um acervo de 55 000 documentos em depósito, para além de um número muito alargado de fotografias do período. O Museu não cobra bilhetes de entrada aos seus visitantes, recebendo subsídios da administração comunal de Anderlecht que custeiam as despesas salariais com o quadro de quatro funcionários permanentes do espaço. Actualmente, a direcção do Museu procura apoios institucionais para poder depositar adequadamente os seus espólios documentais e fotográficos, assim como renovar o conteúdo do próprio Museu aproveitando a riqueza do seu próprio acervo.
Espaços do Museu
1. A Entrada
Simbolizando a unidade nacional da Resistência Belga face ao inimigo nazi e que foi constituída a 20 de Maio de 1940, a entrada do espaço contém um painel com todos os símbolos das organizações da Resistência armada e reconhecidas posteriormente pelo Estado. O painel expressa ainda diversas palavras de júbilo assinalando a libertação do território belga entre Setembro e Novembro de 1944 e de forma definitiva após 10 de Janeiro de 1945.
2. Espaço da I Guerra Mundial (1914-1918), Armamento inimigo e da Resistência Belga e Imprensa clandestina
O espaço dedicado à Grande Guerra (1914-1918) justifica-se, no Museu, pela necessidade de relembrar que na Bélgica se organizou igualmente a resistência armada contra a ocupação do Império Alemão, procurando não permitir o esquecimento dos patriotas que se recusaram submeter-se a esse domínio.
Numa primeira vitrina estão expostos diversos objectos propagandísticos do nazismo alemão que identificam os ideais racistas, xenófobos e belicistas defendidos no contexto da sua ascensão e poder na Alemanha. A barbárie nazi, alicerçada nos conceitos de força e violência como características dominantes, apoiada numa indústria do armamento sofisticada e avançada, de que estão expostos alguns exemplos, é colocada perante peças de artilharia simples e resultantes do improviso que constituiu o armamento dos resistentes belgas.
No entanto, aqui se alude mais uma vez à capacidade que existiu em cada país ocupado, como na Bélgica, de resistir e derrotar o ocupante nazi, fossem quais fossem as valências bélicas de cada Resistência nacional. O exemplo da guerra de guerrilha que os partisans organizaram em toda a Europa ocupada pelos países do Eixo (Alemanha e Itália) é justamente destacado pela possibilidade de se observar a evolução da Resistência na Bélgica em termos organizativos.
Também a imprensa clandestina merece um destaque especial, com três vitrinas dedicadas totalmente a exibir títulos da Resistência belga que circularam ultrapassando o controlo e repressão cerrados do ocupante nazi. Neste caso, como na própria constituição da Resistência armada, os grupos que se organizaram respeitavam a intervenientes na Resistência de todos os estratos sociais e de todos os campos políticos que desde a primeira hora se uniram no combate ao nazi-fascismo.
Neste plano estiveram em destaque os antigos integrantes das Brigadas Internacionais que lutaram ao lado do Exército da República Espanhola na Guerra Civil de Espanha (1936-1939), tal como os comunistas e os socialistas, que se organizaram para resistir ao inimigo nas empresas, fábricas e nos sindicatos. Ocorreram igualmente adesões de cidadãos por simples patriotismo ou amor à liberdade, opondo numa grande frente de unidade contra o nazi-fascismo múltiplas sensibilidades políticas, religiosas e filosóficas.
A Resistência armada e a Resistência civil colaboraram igualmente entre si. Assim, são exemplo de periódicos clandestinos em língua francesa ou flamenga, títulos como: La Libré Belgique, L`Espoir, België Vrij, Strijd representando regiões do país; Le Front e L`Insoumis representando a resistência armada; Le Peuple, Le Drapeau Rouge, De Rode Vaan representando partidos políticos clandestinos. Dos 670 jornais em todo o território belga, 350 desses títulos integravam o Front de l`Indépendence, a organização nacional de Resistência.
3. Os Maquisards em acção na Resistência belga e a monstruosidade do projecto do nazismo
Após o ano de 1941, nasceram organizações armadas clandestinas (maquisards) nas cidades ou nas áreas rurais. A estes grupos de guerrilheiros juntaram-se prisioneiros de guerra soviéticos que conseguiram escapar ao cativeiro nazi e jovens operários e estudantes belgas, ficando eternizados esses grupos como os commandos. Com ligação radiofónica, nomeadamente a Londres, os resistentes belgas receberam também a visita de pára-quedistas da aviação aliada que contactaram directamente com a Resistência belga, possibilitando também a entrega de armamento e munições aliadas necessários ao sucesso da Resistência.
Ainda neste espaço principal do Museu é possível verificar igualmente a forma como o ocupante nazi reagiu através de prisões arbitrárias em massa, rusgas e violações de habitações, tal como organizando fuzilamentos de prisioneiros e reféns e assassinatos de alguns dos mais destacados resistentes belgas detidos. Neste espaço, existe ainda uma área dedicada especialmente ao humor da Resistência belga, através de diversos documentos que parodiavam o ocupante, colocando a nu as mais marcantes arbitrariedades e pressupostos da ideologia nazi.
Essa ideologia condenou à morte 6 milhões de judeus, 600 mil ciganos e outros 3 600 000 prisioneiros assassinados nos cerca de 4 mil campos de concentração e extermínio do nazismo na Europa ocupada. Finalizando a visita a este espaço inicial do Museu, existem em exposição dezenas de exemplos de passaportes e documentos de identificação falsos que foram utilizados por resistentes clandestinos que iludiam assim as buscas das autoridades ocupantes.
4. As sabotagens realizadas pela Resistência belga e a Resistência ao nazi-fascismo na Europa
Sobre as sabotagens concluídas com êxito pela Resistência belga existem diversas fotografias ilustrativas desse facto, assim como objectos utilizados especialmente nessas acções: destacam-se as valorosas ajudas dadas pelos trabalhadores ferroviários e dos correios belgas que evitavam que a Gestapo recebesse a correspondência que era desviada para os grupos da Resistência belga. Assim era possível antecipar os movimentos do inimigo nazi e preparar cortes de linhas de caminho-de-ferro, por exemplo.
Numa última sala do Museu, o seu Conselho de Administração entendeu ser adequada a criação de um espaço que documentasse a Resistência ao nazi-fascismo noutros estados europeus durante a II Guerra Mundial (1939-1945), encontrando-se também reunidos testemunhos alusivos a essa luta. Estão representadas as Resistências nacionais da Albânia, da Alemanha, da Bulgária, da Checoslováquia, da Dinamarca, da França, da Grécia, da Holanda, da Hungria, da Itália, da Jugoslávia, do Luxemburgo, da Polónia, da Roménia e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Foi decidido atribuir um espaço de maior destaque no Museu à Resistência soviética devido a terem perecido 27 milhões de vítimas da agressão nazi no território soviético.
Conclusão
O grande objectivo de todos os que justamente procuraram que o Museu Nacional da Resistência da Bélgica fosse uma realidade foi alcançado: o espaço constituiu-se num instrumento de salvaguarda da verdade histórica e num baluarte contra qualquer tentativa de branqueamento ou reescrita da história destinada a todos os que já não viveram os anos da II Guerra Mundial e da ocupação nazi na Bélgica. Constituído por documentos autênticos, o Museu Nacional da Resistência da Bélgica é um testemunho seguro e real desse período da história da Bélgica.
David Pereira