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em O Passado no Presente - Pequenas Histórias da Resistência
Sisaltina Santos
Sisaltina Santos

Não é por acaso que na resistência ao fascismo a vigilância nas
instalações clandestinas, sendo uma tarefa de todos os que pertenciam
às respectivas instalações e camaradas que as utilizavam, era uma
tarefa que dizia respeito, em primeiro lugar, às camaradas das casas.
Proceder para que à nossa volta nada houvesse que levasse a suspeitar em nós e procurar no dia a dia apercebermo-nos do ambiente que nos envolvia, era uma preocupação constante, em que a defesa da casa muito dependia de nós.
Em certa altura de 1955, montamos casa em Padrão da Légua, povoação de gente trabalhadora, junto à cidade do Porto. Meu companheiro alugou casa a um ex-emigrante que, no seu regresso a
Portugal, mandou construir um pequeno bairro de casas térreas, de cerca de umas seis a oito moradias, cujos moradores eram do tipo proleta.
Ao fim de 5 ou 6 meses de estarmos instalados tudo nos parecia tranquilo e normal à nossa volta, o que levou o Organismo de Direcção Regional do Norte a reunir em nossa casa. Como se tratava de uma casa modesta que naquele tempo constava de 4 divisões, incluindo cozinha, dois quartos e casinha de entrada, nós dormíamos num dos quartos, destinando a outra divisão para uma espécie de casa de jantar composta de uma mesa, um armário e 4 cadeiras.
Foi nesta divisão que os camaradas reuniram durante o dia e parte da noite. A nossa casa dava para uma rua, onde em frente havia um candeeiro de iluminação pública e a nossa porta de entrada tinha, na parte de cima, um vidro grosso, martelado que, de noite, com a luz da casa apagada, dava para ver quem passava na rua.
Quando a reunião terminou, já perto da uma hora da noite, fomos todos deitar. Os três camaradas ficaram na nossa cama e eu e o meu companheiro ficámos num divã na casinha de entrada.
Proceder para que à nossa volta nada houvesse que levasse a suspeitar em nós e procurar no dia a dia apercebermo-nos do ambiente que nos envolvia, era uma preocupação constante, em que a defesa da casa muito dependia de nós.
Em certa altura de 1955, montamos casa em Padrão da Légua, povoação de gente trabalhadora, junto à cidade do Porto. Meu companheiro alugou casa a um ex-emigrante que, no seu regresso a
Portugal, mandou construir um pequeno bairro de casas térreas, de cerca de umas seis a oito moradias, cujos moradores eram do tipo proleta.
Ao fim de 5 ou 6 meses de estarmos instalados tudo nos parecia tranquilo e normal à nossa volta, o que levou o Organismo de Direcção Regional do Norte a reunir em nossa casa. Como se tratava de uma casa modesta que naquele tempo constava de 4 divisões, incluindo cozinha, dois quartos e casinha de entrada, nós dormíamos num dos quartos, destinando a outra divisão para uma espécie de casa de jantar composta de uma mesa, um armário e 4 cadeiras.
Foi nesta divisão que os camaradas reuniram durante o dia e parte da noite. A nossa casa dava para uma rua, onde em frente havia um candeeiro de iluminação pública e a nossa porta de entrada tinha, na parte de cima, um vidro grosso, martelado que, de noite, com a luz da casa apagada, dava para ver quem passava na rua.
Quando a reunião terminou, já perto da uma hora da noite, fomos todos deitar. Os três camaradas ficaram na nossa cama e eu e o meu companheiro ficámos num divã na casinha de entrada.
Após nos deitarmos e apagar a luz, imediatamente me chamou a atenção um vulto que, momentaneamente, estava encostado à nossa porta de entrada, ia junto à janela da divisão onde tinha funcionado a reunião e voltava à nossa porta, num vai e vem que se repetiu por umas três vezes e chamei a atenção do meu companheiro que ainda chegou a ver a manobra de quem estava a procurar ouvir alguma coisa da nossa casa, que imediatamente alertou os camaradas para o que se passava.
Para mim, que tinha sido o primeiro a detectar o indivíduo, tratava-se de um vizinho cuja casa pegava com a nossa. Analisada rapidamente a situação, partiu-se do princípio de que se tratava de uma suspeita por o vizinho ter ouvido vozes de várias pessoas que, embora não fossem vozes altas, lhe teriam chamado a atenção por não ser hábito falarmos muito de noite e muito menos a certas horas.
A reunião já não prosseguiu, como estava previsto, no dia seguinte, tendo os camaradas decidido que o meu companheiro sairia a dar uma volta ao pequeno bairro para ver se se apercebia de alguma coisa.
Como não viu nada, os camaradas ficaram para saírem de madrugada, ainda de noite, e o meu companheiro saísse logo de manhã, a horas consideradas normais, para que não houvesse qualquer suspeita. Ficou ainda assente que a instalação seria desfeita, mas somente depois de, nessa tarde, eu ter um encontro com o meu companheiro para se decidir o que mais havia a fazer.
Na apreciação rápida que fizemos partimos do princípio de que se tratava, de facto, de uma desconfiança política da parte do vizinho, que nos levava a deixar a casa, mas partindo do princípio de que o vizinho não se teria apercebido de nada que o levasse a accionar o alerta para que a PIDE aparecesse nas próximas 24 horas, o que nos daria algum campo de actuação sem grande alarmismo.
O encontro deu-se, ficando decidido que eu preparasse as nossas coisas durante a noite, sem dar a conhecer a ninguém, para que no dia seguinte procurasse vender a mobília onde a tínhamos comprado, para que logo a seguir à confirmação da venda da mobília, falar com o senhorio dizendo ter sucedido uma tragédia na família que nos obrigava a deixar a casa, chamando um táxi e aparecer num ponto distante a partir de determinada hora.
Tudo isto decorreu no espaço de 40 horas, com grande preocupação minha, misturado com nervosismo. Na noite que ainda restei na casa aproveitei a queimar materiais que, se a casa fosse assaltada pela polícia, seria inconveniente.
Esta operação em que, para não levantar suspeitas de maior na vizinhança, se viu ser eu a realizar, sem experiência própria de actuação nestes casos, e sob a hipótese de antes de conseguir sair de casa com a situação arrumada me poder aparecer a PIDE afligiu-me e colocou-me numa situação de grande aflição embora tivesse que apelar a toda a calma de que fui capaz.
Quando enfim cheguei junto do meu companheiro com a situação resolvida, e se considerou que tudo tinha ocorrido em segurança aceitável, respirei fundo. Este imponderável próprio na actividade clandestina estava ultrapassado.
Pouco tempo depois, tivemos a informação a confirmar que o vizinho que tínhamos dado por escutar à porta e à janela da nossa casa era, efectivamente, informador da PIDE. Neste caso, a avaliação da situação e as medidas tomadas foram certas e a tempo, mas o risco que todos corremos foi muito grande.
Hoje, na distância do tempo, tudo me parece mais simples e fácil mas diante da possibilidade de a polícia assaltar a casa e de ter que aproveitar a noite em que fiquei sozinha para emalar as nossas coisas e aproveitar para estar atenta e procurar vigiar o que se passava no exterior à volta da instalação, digo- vos que foi bastante complicado e com algumas dúvidas se seria capaz de
resolver tudo o que tinha sido incumbida de resolver sozinha.
A noite pareceu-me um ano. A todos os ruídos de falas e de carros, procurava saber o que significavam.
Compreendi o facto de o meu companheiro não ficar comigo para, em conjunto resolvermos a situação. Ele era o quadro mais responsável, tinha o acompanhamento de várias organizações à sua responsabilidade, o que aconselhava a ficar a acompanhar as coisas mais à distância, pois se ficasse comigo e fosse preso, como se admitia que pudesse acontecer, eram as organizações que ficavam desligadas, o que significava prejuízos acrescidos para a luta da resistência.
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Sisaltina Santos
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