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Visita guiada à Revolução Republicana republica.jpg

(notas da intervenção de Aurélio Santos no Colóquio sobre o Centenário da República, promovido pela C.M. Barreiro)


Algumas questões prévias

 

Justifica-se toda esta azáfama comemorativa?

Julgo que sim.

Mais do que celebrar uma efeméride, mais do que homenagear justamente os homens que tiveram coragem e arrojo de proclamar a segunda república da Europa (a primeira havia sido a de França)trata-se de lembrar um dos mais importantes marcos da História do nosso país, que é a história colectiva de todos nós.

É o conhecimento do país que fomos que permite entender o país que somos e decidir do país que queremos ser.



A crise nacional no fim da monarquia

 

 

A implantação da República enquadra-se na profunda crise política e social em que o regime monárquico vinha afundando o país nos últimos decénios do século XIX.

O impulso de modernização dado ao país com a Revolução de 1820, depois retomado com os primeiros anos do regime liberal e a legislação de Mouzinho da Silveira esgotara-se.

Os retrocessos da monarquia liberal, afundada nas disputas de Poder entre as forças políticas dominantes, dominadas pelos entendimentos entre uma nova aristocracia liberal tendo como pano de fundo os sectores dominantes da alta burguesia, levaram a uma paralisia do desenvolvimento económico do país.

O Poder político foi sendo dominado pelos representantes da alta burguesia, predominantemente financeira e agrária, em aliança com a nova aristocracia criada após a vitória liberal, em muitos casos directamente ligada às velhas famílias aristocráticas, mas aberta também aos altos quadros do cartismo e, com a venda de título, aos nascentes sectores do capital financeiro.

O desenvolvimento do país ficou entravado pelo predomínio das manipulações financeiras e dos agrários proprietários das terras nacionalizadas das Ordens militares religiosas e os herdeiros dos morgadios feudais dissolvidos, em resultado da legislação liberal Mouzinho da Silveira.

Para além da perda de prestígio político e apoio social resultantes deste factores, a capitulação da monarquia perante o Ultimato inglês, que já estivera na origem da revolta de 1871, deu forte impulso ao movimento republicano (de que é expoente a criação do hino de «A portuguesa»).

O insucesso das tentativas de recuperação da monarquia com o lançamento da «Nova monarquia», após o regicídio de 1908, comprovou a incapacidade de recuperação do regime monárquico.


O movimento republicano


O movimento republicano tinha uma base social profundamente diferente das classes dominantes do regime monárquico.

No movimento republicano dominava a pequena e média burguesia, urbana e rural, com   a participação de uma camada intelectual proveniente em geral dessas classes sociais e com uma formação cultural muito influenciada pelas ideias então reinantes entre a burguesia francesa, com o radicalismo republicano suscitado pelas questões levantadas com o «caso Dreyfus».



A revolução de 5 de Outubro


Quando em 5 de Outubro a Revolução republicana saiu à rua e implantou o novo regime, o seu êxito deveu-se fundamentalmente ao longo processo de implantação que o movimento republicana realizara na sociedade e entre as forças armadas (sargentos e oficiais subalternos). A vitória dos candidatos republicanos nas eleições para a Câmara de Lisboa foi um dos indicadores da força que tinham ganhado entre a população as ideais republicanas.

Quando, na madrugada do dia 5, um pequeno grupo de militares ocupou a Rotunda, essa preparação veio ao de cima. Na véspera, no dia 4, a República já fora proclamada em 6 municípios, entre os quais no Barreiro, no Seixal, em Loures, em Almada.

Aos revoltosos da Rotunda juntaram-se «populares» de Lisboa, das camadas operárias e da pequena burguesia, apoiantes da República. E os disparos do navio de guerra «Adamastor» sobre o Palácio das Necessidades, onde se encontrava a família real, não encontraram resposta em forças militares defensora da monarquia.



Contribuições e avanços do regime republicano



A República portuguesa, a par da francesa, foram, até ao fim da Grande Guerra (1914/18) os dois únicos regimes republicanos implantados na Europa. O que merece relevo pelo que, na sua época, a implantação da República representou de modernidade e progresso renovador para o Estado e a sociedade em Portugal.

Os principais aspectos desse carácter renovador e progressista da revolução republicana manifestaram-se em dois terrenos fundamentais: na profunda renovação das classes representadas nos órgãos do Poder político, e nas grandes transformações implantadas na legislação civil, na organização administrativa e na política cultural do país.

Um dos primeiros objectivos visados pelo novo poder republicano foi defendido com o lema: «a intervenção na vida política para os republicanos». Isso levou a uma profunda renovação do pessoal político dirigente em todos os órgãos do Poder, tanto a nível central (governo) como local (municípios).

As novas classes que assim ocuparam o poder político correspondiam às bases sociais do movimento republicano: eram originárias da pequena e média burguesia, urbana e rural, e dos sectores intelectuais a elas ligados. As classes políticas do regime monárquico foram varridas dos órgãos do Poder, o que certamente permitiu também que o novo regime tenha podido enfrentar com êxito as tentativas, incluindo militares, de reimplantação do regime monárquico.

Os novos órgãos do Poder encontravam-se, socialmente, muito mais próximas das camadas populares, urbanas e agrárias: classe operária, agricultores. Mas não reflectiram, na sua prática política, essa proximidade. O poder económico, pelo seu lado, não mudou de dominação, continuou nas mãos da alta burguesia financeira e dos agrários, e constituiu desde logo um travão às próprias promessas e objectivos definidos pelo movimento republicano. E assim os governos republicanos não cumpriram as promessas e esperanças que tinham suscitado.

Caso concreto foi o da legislação dos direitos laborais. O que levou a uma perda de apoio do novo regime entre as classes trabalhadoras.

Para além da renovação dos órgãos do poder aos vários níveis, o novo regime deu num grande impulso à modernização cultural e ética do país.

O ensino entre as camadas populares foi uma das preocupações do regime republicano. Medidas como a modernização da escrita com a adopção da ortografia moderna, a criação das Universidades de Lisboa e do Porto, os esforços para o desenvolvimento da alfabetização e o alargamento do ensino básico entre as classes populares, a adopção do sistema decimal nos pesos e medidas, são prova desse grande esforço de modernização do país.

Merece também referência a aprovação da lei de separação da Igreja e do Estado, que  pôs fim ao regime que atribuía à Igreja católica uma posição de privilégio e controle de muitas actividades cívicas e sociais. Essa ligação clerical à monarquia deu um suporte social ao forte anticlericalismo que marcou o movimento republicano e o novo regime, acentuado pela forte ligação do movimento republicano e das classes sociais e personalidades que mais o impulsionavam às formações maçónicas (Oriente Lusitano, Carbonária). O anticlericalismo representou também, na época, o esforço modernizador que punha fim à sobrevivência de concepções e situações dos regimes clericais-aristocráticos. Mas, pela forma como foi conduzido, deu também campo a violentas campanhas anti-republicanas nas zonas onde a influência que a Igreja católica detinha em amplas camadas populares e em sectores intelectuais da burguesia fosse utilizada contra a República.



A Grande Guerra e a intervenção portuguesa



A 1ª Grande Guerra Mundial, desencadeada apenas 4 anos após a implantação da República, teve importantes repercussões no regime republicano.

Não só pelo agravamento das condições sociais e económicas do país, como pelas consequências que teve no plano político.

Decidida pelas forças ascendentes do grande capital imperialista a 1ª Grande Guerra confirmou a importância política que esse capital vinha adquirindo nos quadros do sistema económico mundial.

A Alemanha declarou guerra a Portugal após o apresamento, exigido pela Inglaterra, dos navios alemães fundeados em portos portugueses. Mas pressão alemã visando a ocupação de territórios coloniais (sobre Moçambique, a partir da colónia alemã de Tanganica, sobre Angola no Sul, a partir da colónia alemã do Sudoeste Africano) foi uma das razões que levou à intervenção, tendo em conta que a protecção da Inglaterra se demonstrara como indispensável a partir da Conferência de Berlim sobre a «partilha de África».

Mas a intervenção na guerra lançou no quadro político português um outro factor: os militares, mantidos nos últimos anos da monarquia e primeiros da república fora do quadro da vida política.

A primeira manifestação no quadro político dessa ascensão do factor militar foi a ditadura de Sidónio Pais.

O «sidonismo», nos seus objectivos políticos e métodos governativos, foi um primeiro ensaio de ditadura para impôr e um domínio social e económico com um controle político estável.

A curta duração da ditadura sidonista levou a que os projectos dos sectores antidemocráticos e anti-republicanos só tenham vindo a concretizar e desenvolver-se no após-guerra.



A República após a Guerra (1918/26)



Os últimos 8 anos da República foram marcados por uma profunda instabilidade política a nível dos órgãos de Poder e pelo desenvolvimento de grupos e organizações antidemocráticas e anti-republicanas.

Com o slogan «uma nova República» o regime tentou reganhar o apoio popular de que desfrutara

Mas o projecto não resolveu os problemas do regime republicanos. Por um lado, devido ao profundo agravamento da instabilidade governava, com sucessivos governos que raramente ultrapassavam os 6 meses de vigência. Instabilidade numa situação agravada com o episódio da «camioneta fantasma» que levou ao massacre de destacados dirigentes republicanos como António Granjo e Machado dos Santos, com o consequente desprestígio do regime, classificado como «uma balbúrdia sanguinolenta».

A proclamada «nova república», propondo-se responder aos «novos tempos e novas condições» emergentes do após guerra, não soube ver os significados mais profundos desses novos tempos e novas condições.

O principal novo factor que emergiu no após guerra de 1918 foi a vaga revolucionária que percorreu a Europa no sentido da conquista dos direitos sociais.

Os partidos políticos da «nova república» e os seus governos não tiveram essa percepção. O que teve duas consequências fundamentais: a incapacidade de reganharem o apoio social indispensável a um regime democrático, e o campo deixado aberto às forças políticas reaccionárias que manipulavam essas aspirações no sentido de impôr uma dominação antidemocrática, ditatorial, capaz de assegurar o controle político dos grupos económicos do capital financeiro que estavam em formação no país.



O «iceberg» do fascismo



Nos anos 20 do século passado em toda a Europa vivia-se um período de grande crise social e política.

Os grupos sociais e financeiros dominantes queriam reconstituir e reforçar o seu poder, abalado com a Grande Guerra. As camadas populares e os trabalhadores procuravam o reconhecimento dos direitos sociais e económicos, estimulado em certa medida pela revolução soviética de 1917.

Em Portugal a luta popular e sindical manifestava grande desenvolvimento após o fim da Guerra .Os trabalhadores e o povo exigiam que a República assegurasse as condições de progresso e justiça social pelas quais tinham lutado na revolução republicana.

Deslocava-se nessa época no quadro europeu um «iceberg» de forças reaccionárias, ainda com a maior parte da sua massa submersa, visando um controlo com «mão forte» das forças e lutas sociais. O fascismo alojava-se na parte submersa do «iceberg».

Na Alemanha o «iceberg» instalou-se à volta do revanchismo que se seguiu após a derrota na Grande Guerra, e foi alimentado pelos projectos da grande indústria alemã (Krup, Essen).

Em Portugal a parte emergente do «iceberg» eram organizações como a Cruzada NunÁlvares, .....

O anticomunismo foi a bandeira que as forças políticas mais reaccionárias ergueram como fundamento da sua expressão mais agressiva que então começava crescendo no mundo: o nazi-fascismo.

Na Alemanha, os grandes grupos financeiros e industriais do aço, da energia, do armamento, promoveram a tomada do poder pelo partido nazi de Hitler, vendo nos seus planos militaristas condições para recuperação do poderio económico e político perdido com a derrota na guerra. Na Itália o fascismo instalou-se com o golpe de Estado de Mussolini, com irradiações na Hungria, Roménia, Portugal.

Começou alastrando pela Europa a sombra negra do nazi-fascismo, num processo que levou ao desencadeamento da IIª Guerra Mundial (1939-45).



O fim da República



Em 1926, a maré reaccionária que alastrava na Europa chegou a Portugal.

O golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, comandado pelo general Gomes da Costa, que fora o comandante do Corpo Expedicionário Português na Flandres, pôs fim ao regime republicano. O Parlamento foi encerrado, proibidos os partidos políticos, imposta a Censura..

O golpe de Estado de 1926 estabeleceu em Portugal uma Ditadura Militar: o Parlamento foi dissolvido, instalou-se a censura à imprensa, foram proibidos os partidos políticos, demitidas as vereações municipais. Iniciou-se a perseguição às organizações sindicais, aos sindicalistas, aos democratas.



A versão salazarista do fascismo



A Ditadura militar encontrou em Salazar a pessoa para se tornar a face visível, o orientador e organizador do novo regime de opressão, repressão e exploração - a que chamaram "Estado Novo".

A versão salazarista de fascismo teve os seus traços próprios, em certa medida, também, porque nunca encontrou apoios e simpatia da parte do povo português. Mas, a sua actuação teve as mesmas raízes, serviu os mesmos interesses, usou métodos idênticos: foi uma ditadura usando métodos de repressão para impor no país um ambiente de terror, apoiando-se na força militar e policial.

O fascismo salazarista não se caracterizou somente pelos seus métodos de terror, repressão e cinismo. Esses métodos não resultavam duma crueldade gratuita dos servidores do "Estado Novo". Tinham como objectivo principal permitir a aplicação de uma política que atingia cruelmente a esmagadora maioria do povo português, e só pelo terror podia ser imposta.

Para concentrar a riqueza nas mãos de uns poucos, uma política de exploração e miséria foi imposta ao país, a partir do dogma de "equilíbrio orçamental". Os baixos salários oram apresentados como exigência do interesse nacional.

Salazar tomou como modelo as ditaduras fascistas de Mussolini e de Hitler. Foi incondicional aliado de Franco na Guerra Civil espanhola (1936-39) para a instauração da ditadura em Espanha. Apoiou as ditaduras nazi-fascistas de Hitler e Mussolini, na 2ª Guerra Mundial, até à sua derrota militar.



A ditadura fascista e a resistência antifascista



O fascismo salazarista não se caracterizou somente pelos seus métodos de terror, repressão e cinismo. Esses métodos não resultavam duma crueldade gratuita dos servidores do "Estado Novo". Tinham como objectivo principal permitir a aplicação de uma política que atingia cruelmente a esmagadora maioria do povo português, e só pelo terror podia ser imposta.

Para concentrar a riqueza nas mãos de uns poucos, uma política de exploração e miséria foi imposta ao país, a partir do dogma de "equilíbrio orçamental". Os baixos salários foram apresentados como exigência do interesse nacional. Os sindicatos livres foram proibidos e substituídos por "sindicatos" fascistas, cujas direcções dependiam de aprovação governamental. As greves foram proibidas, bem como qualquer forma de protesto ou organização dos trabalhadores. E para zelar pela aplicação destas imposições foi criada uma polícia política, a PVDE, mais tarde chamada PIDE e depois DGS, que se considerava "acima de qualquer lei" e com poderes de vida e de morte na sua actuação. E por detrás da polícia política alinhavam, para a repressão de massas, os esquadrões militarizados da GNR, que compunham a parte mais profissionalizada e melhor equipada das Forças Armadas portuguesas.

No vértice da pirâmide do Estado fascista encontrava-se o Chefe do Governo - Salazar, cuja figura era incensada por um poderoso aparelho de propaganda e que detinha, de facto, todos os poderes do Estado. O Presidente da República era simples figura decorativa, e no Parlamento - baptizado de Assembleia Nacional - só podia estar representado o partido fascista, chamado "União Nacional".



A Revolução de Abril e a reconquista da Liberdade



O MFA, saindo à rua en 25 de Abril de 1974, deu o abanão final ao regime fascista. E o Povo, saindo à rua, ao lado dos militares de Abril, abriu as portas da Democracia para Portugal.

Os cravos foram expressão da alegria do Povo, da sua aliança com os militares de Abril, da alegria e da festa que Abril abriu, trazendo a a Liberdade a Portugal.

E como dizia o poeta José Carlos Ary dos Santos, num dos seus poemas: "De tudo o que Abril abriu / ainda pouco se disse"



Uma breve conclusão



O Século XX é um exemplo de que a História é feita de avanços e recuos, de luta do progresso contra o retrocesso, da cultura contra o obscurantismo, de luta da liberdade contra a sujeição.







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