A União de Resistentes Antifascistas Portugueses organizou sábado, 31 de Outubro, a comemoração simbólica do quarto aniversário do convívio na Fortaleza de Peniche que, na altura, reuniu muitas centenas de pessoas, e foi dinamizado por ex-presos políticos, familiares e democratas de diferentes sensibilidades, com o apoio e envolvimento da URAP.
Devido às restrições causadas pela pandemia, estiveram presentes quatro dirigentes da URAP. Três ex-presos políticos, José Pedro Soares, Álvaro Pato e Adelino Pereira da Silva, e a filha de um outro, Anabela Carlos, que saudaram a criação do Museu da Resistência e Liberdade no local onde esteve prevista a construção de uma unidade hoteleira: a Fortaleza de Peniche, prisão política de alta segurança do regime fascista até ao 25 de Abril de 1974.
José Pedro Soares foi o primeiro orador e depois de sublinhar o “grande impulso” que o convívio deu “ao movimento que se ergueu contra a intenção do governo de entregar a Fortaleza de Peniche a privados, para fins hoteleiros”, afirmou que “o governo acabou por recuar. O Museu foi finalmente criado. A primeira fase já inaugurada em 25 e 27 de Abril de 2018, numa memorável jornada que juntou milhares de pessoas”.
“Esta foi uma grande vitória. É surpreendente, os milhares de visitantes que este Museu recebe. Já tardava, mas é outra vitória do 25 de Abril”, disse, ao mesmo tempo que agradeceu à Direcção Geral do Património Cultural.
“Aproveitamos para cumprimentar os que na DGPC, em especial aos que aqui trabalham no Museu, em número francamente reduzido, se envolveram e empenham nas imensas tarefas sempre com simpatia e profissionalismo. A URAP também se orgulha desta parceria”, afirmou José Pedro Soares.
Álvaro Pato lembrou “o que representou para todos a Revolução de 25 de Abril” quando estavam presos, eles e muitos outros homens e mulheres e “como eram as barbaridades e atrocidades dos interrogatórios da PIDE, a polícia política do fascismo”.
Saudou “a decisão da criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade aqui na velha Fortaleza de Peniche”. Alegra-nos ver já recuperadas as placas e as paredes dos blocos prisionais, as muralhas reparadas, e ver finalmente este Memorial com os nomes de todos os que por aqui passaram”, acrescentou.
Para Álvaro Pato, é “por isso que queremos ver avançar com o resto que ainda falta fazer, para que a história seja contada com verdade e o fascismo não seja branqueado” (…) e “os que já nasceram depois do 25 de Abril, possam percorrê-lo, como numa viagem a esse tempo, e assim conheceram como era o Portugal no tempo da ditadura. Saberem como muitos jovens das suas idades souberam dizer não e lutaram contra o fascismo, as guerras, pela liberdade”.
Em seguida, Anabela Carlos, filha do preso político José Carlos, um dos dez presos que se evadiu da Fortaleza de Peniche, contou que apesar de criança, ainda se lembra quando vinha visitar o pai.
“O meu pai era operário corticeiro. Era militante do Partido Comunista Português. Uma grande referência na minha vida. Esteve ali encarcerado numa daquelas celas, atrás daquelas grades”, referiu, acrescentando que “antes de o trazerem aqui para o Forte de Peniche já tinha passado por outras cadeias”.
“As famílias também sofreram muito. Mas foram corajosas na sua grande maioria. As famílias também lutaram a seu lado”, disse, terminando “nunca foi tão importante a existência deste Museu Nacional Resistência e Liberdade para que se saiba como foram esses tempos e saibamos sempre dizer fascismo nunca mais”.
Por último, Adelino Pereira da Silva relatou que “também por aqui passei, encarcerado, alguns anos da minha vida. Todo este espaço, corredores, celas, guardam muitas memórias, muitas histórias dos milhares de camaradas que por aqui passaram”.
“O fascismo foi um crime por isso o combatemos. Tal como combatemos nos dias que correm as ideias e práticas fascistas que reaparecem sempre quando os democratas se distraem”, disse, acrescentando que “o 25 de Abril, o derrube do fascismo, foi apenas o grande passo, mas a democracia defende-se e constrói-se todos os dias e a melhor forma de defender os direitos conquistados é exercê-los, tal como constam na Constituição”.
O Programa Revive foi criado no XXI Governo Constitucional, em 25 de Outubro de 2019, pelo Decreto-Lei nº 161/2019, numa iniciativa conjunta dos Ministérios da Economia, da Cultura e das Finanças “com o objectivo de promover a requalificação e subsequente aproveitamento turístico de um conjunto de imóveis do Estado com valor arquitectónico, patrimonial, histórico e cultural que não estão a ser devidamente usufruídos pela comunidade em que se inserem e, nalguns casos, encontrando-se em adiantado estado de degradação”.
Entre os edifícios escolhidos para o efeito, encontrava-se a Fortaleza de Peniche, onde funcionou até ao 27 de Abril de 1974 uma das mais sinistras cadeia da ditadura, sempre considerada como símbolo maior da resistência antifascista e da luta pela liberdade.
Ex-presos políticos, familiares, antifascistas em geral e organizações que lutam pela preservação da memória, entre as quais a URAP - União de Resistentes Antifascistas Portugueses, levantaram-se e lutaram contra tal intenção, que resultou no abandono desse objectivo e na instalação, na fortaleza, do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.
Em 29 de Outubro de 2016, marcaram um grande convívio na Fortaleza de Peniche com muitas centenas de pessoas e lançaram uma Petição dirigida à Assembleia da República que, em poucos dias, recolheu cerca de 9 600 assinaturas. Nas duas iniciativas condenaram essa intenção do governo e reclamaram a criação do museu.
Os democratas venceram, mas muito ainda há a fazer. Por isso a celebração da vitória e a continuação da luta.
Na cerimónia, curta mas simbólica, a actriz Ana Maia disse dois poemas - “Abandono”, de David Mourão Ferreira, e “Sou Barco”, de António Borges Coelho - e no final os presentes gritaram: "25 de Abril sempre fascismo nunca mais”.