No âmbito da rubrica "Testemunhos", a URAP vai publicar em três fascículos (nos sábados 22 e 29 de Maio e 5 de Junho) a história da prisão de Luísa Vaz Oliveira, em Abril de 1970, estudante do 3º ano de Económicas no ISCEF, de Lisboa, e condenada a 21 meses de prisão pelo seu envolvimento no movimento estudantil antifascista. Luísa Vaz Oliveira, então com 22 anos, conta a tortura do sono que sofreu na sede da PIDE, na António Maria Cardoso, o isolamento em Caxias, os interrogatórios, a doença que padeceu na prisão, os fortes laços que estabeleceu com outras presas, o julgamento no Tribunal da Boa Hora. Um relato na primeira pessoa, para que a memória não se apague.
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Recordo umas histórias engraçadas do tempo em que estivemos a Fernanda e eu, só as duas, na cela. Sim, porque nós, novas e cheias de vida, procurávamos dar a volta à situação. Às vezes, no recreio, eu resolvia cantar bem alto!, cantigas de José Afonso para que outras presas nos ouvissem. O GNR aproximava-se, de imediato, a mandar calar.
Certa tarde, à hora do lanche, apeteceu-nos gozar a vista para o rio. Vai daí, puxámos cada uma a sua cadeira, fomos buscar os nossos crochés e sentámo-nos nas costas das cadeiras a contemplar a paisagem. Minutos depois, aí estava a guarda a abrir o postigo e a dizer para dentro da cela: «O que é que as senhoras estão aí a fazer?». E nós, muito educadamente, respondemos «Estamos na esplanada!». Doutra vez, recebemos um grande ramo de flores, alaranjadas. Mas as flores tinham um cheiro muito intenso. À noite, já deitadas, deu-me para não aguentar o cheiro e fui fechar a porta do WC no trinco. Claro, no silêncio da noite, o ruído ecoou. Logo a guarda a querer saber «Porque é que as senhoras foram fechar a porta da casa de banho?». E nós, com uma grande desfaçatez, «Foi para ficar bem fechadinha!».