Cadeia de Caxias, 10:00 horas, dia 4 de Dezembro de 1961. Ouve-se um grito: golo! E, em 64 segundos, oito militantes do Partido Comunista Português evadem-se do forte no automóvel blindado de Salazar.
Ao volante estava António Tereso, mecânico de automóveis, e que durante meses ganhou a confiança da PIDE para poder levar a cabo esta operação que devolveu à liberdade António Gervásio, Domingos Abrantes, Francisco Miguel, Guilherme Costa Carvalho, Ilídio Esteves, José Magro e Rolando Verdial.
Numa iniciativa da URAP, com o apoio da Câmara Municipal de Oeiras, que evocou a fuga 60 anos depois, Domingos Abrantes, um dos oradores da cerimónia, fez a homenagem a António Tereso, "que se fez passar durante 19 meses" por “rachado”, com todo o desprezo que isso representou, considerando-o um herói da resistência antifascista.
O militante comunista e Conselheiro de Estado, depois de ironizar com o facto de estar a falar ali como “único sobrevivente da fuga, o que não é um bom cartão de visita”, contou pormenorizadamente os acontecimentos em que participou, relatando que esta se passou "à luz do dia e debaixo do fogo da GNR", que ele próprio “seria empurrado para o carro pelo cano de uma espingarda”, e que mostrou inequivocamente como “o carro era mesmo blindado”.
“Estava um dia claro e luminoso”, disse Domingos Abrantes, considerando que a fuga foi “uma enorme derrota do fascismo, rumo à vitória”, e que com a fuga de Peniche de 3 de Janeiro de 1960 "o partido recuperou metade dos funcionários que tinha". "Foi um acto de resistência antifascista", afirmou, acrescentando que estes homens e mulheres que lutaram pela liberdade contribuíram para o fim do regime e a revolução do 25 de Abril. Em 1961, estavam na prisão de Caxias 262 homens e 13 mulheres como presos políticos.
A cerimónia de 4 de Dezembro de 2021, decorreu junto à peça escultórica evocativa da libertação dos presos políticos da prisão de Caxias, que ocorreu dia 26 de Abril de 1974, da autoria do escultor Sérgio Vicente, que representa o número de presos que estiveram detidos no Forte entre 1936 e 1974, e foi inaugurada no dia 10 de Junho de 2020, na Estrada de Gibalta, junto à Estação da CP de Caxias.
A iniciativa foi presidida por Clemente Alves, do Conselho Nacional da URAP, e nela participaram centenas de pessoas, algumas das quais ex-presos políticos, e a Câmara de Oeiras fez-se representar por Luís Godinho, Director do Património Imaterial.Coube a Álvaro Pato, ex-preso político e da direcção da URAP, falar em primeiro lugar, sublinhado que "foi graças ao sacrifício de muitos dos antifascistas, muitos deles presos vários anos, e pela sua dedicação, que foi possível alargar a luta dos democratas pela liberdade e pelo fim da guerra colonial, expressos nos II e III Congressos de Aveiro, influenciando também a luta nos quartéis e no teatro de guerra nas três colónias, precursora do Movimento dos Capitães e da eclosão da Revolução do 25 de Abril e da Unidade Povo/MFA".
Deixando para Domingos Abrantes a descrição da fuga de Caxias, Álvaro Pato deteve-se em factos "de natureza familiar e pessoal, apenas a título de exemplo do que passaram centenas de milhares de portuguesas e portugueses, com as prisões de mais de 30 mil antifascistas nos 48 anos da ditadura de Salazar e Caetano e dos seus serventuários".
"Por esta estação de Caxias passei várias vezes, para depois fazer o percurso a pé, juntamente com a minha avó Maria, até ao Reduto Norte de Caxias, para visitar o meu pai Octávio Pato e a sua companheira Albina Fernandes. Procurávamos visitá-los todos os fins de semana. Depois, já eu era adulto, visitei o meu pai no Hospital Prisão de Caxias, onde, pela primeira, vez tive oportunidade de o beijar, numa visita em comum. Ao contrário, nas visitas em parlatório tínhamos um vidro e rede de arame a separar-nos. Isto durou desde os meus 11 anos até aos 20 anos", contou.
Álvaro Pato enumerou, em seguida, os familiares que estiveram presos em Caxias como o seu "tio Carlos Pato, preso em 1947 e depois novamente em 1949, tendo morrido no Forte de Caxias, em 26 de Junho de 1950, após ter sido vítima de tortura que lhe provocou um ataque cardíaco, na cela sem qualquer assistência"; o "primo António Tavares, preso na mesma altura que o meu tio Carlos, tendo sido libertado dois anos depois para morrer tuberculoso em casa"; o "tio Abel Pato, preso em 1953 e libertado em 1954"; o "pai Octávio Pato, a sua companheira Albina Fernandes e os meus irmãos Isabel e Rui, com 6 anos e 2 anos, respectivamente, todos presos em 15 de Dezembro de 1961".
Continuando o relato, Álvaro Pato precisou que "o pai esteve preso nove anos e a Albina seis anos e meio, ambos sujeitos às célebres medidas de segurança, prolongando por mais três anos a condenação a que tinham sido sujeitos. Os meus irmãos foram libertados cerca de um mês depois e entregues aos meus avós paternos com quem eu próprio vivia desde 1952".
"A minha mãe, Antónia Joaquina Monteiro, e a minha irmã Carolina Honrado, de 4 anos, presas em 1963, levadas de Caxias para a prisão do Porto.(…) A minha mãe foi presa novamente em 1965"; o "tio, José Gilberto de Oliveira, cunhado da minha mãe, preso pela primeira vez em 1933, tendo sido deportado do Reduto Norte de Caxias para o campo de concentração do Tarrafal em 1936 onde esteve preso 10 anos"; o "cunhado, António Almeida, preso em 1967 e libertado de Peniche em 1969", afirmou.
Para finalizar a narração desta família mártir do regime fascistas mas grande lutadora pela democracia e liberdade de que hoje os portugueses gozam, Álvaro Pato, que foi libertado em 26 de Abril de 1974, diz: "Em 25 de Maio de 1973, fui também preso e libertado na madrugada de 27 de Abril de 1974. Conheci também o Reduto Sul de Caxias, onde a Pide também me submeteu a espancamentos e à tortura do sono durante 11 dias e noites. Passei eu a ser visitado pelos meus familiares".
O orador destacou o papel da Câmara de Oeiras, em particular o do Departamento Cultural, pelas diversas iniciativas que tem tido em conjunto com a URAP, como a lápide na fortaleza e o monumento, e refere a próxima edição de um livro, a gravação em vídeo de depoimentos de mais de 30 ex-presos políticos e um memorial com o nome de todos os presos políticos.Durante a cerimónia actuou o grupo musical "Amigos de Abril" que cantou canções da resistência.
[Ver intervenção de Álvaro Pato]