A Junta da União de Freguesias do Laranjeiro e Feijó, o núcleo de Almada da URAP e o núcleo de Almada do MDM apresentaram, dia 11 de Dezembro, no Auditório do Edifício do Poder Local, no Feijó, concelho de Almada, o livro editado pela URAP “Elas estiveram nas prisões do fascismo”, numa sessão presidida por Carlos Mateus, do Conselho Directivo da URAP.
A primeira intervenção coube a Luís Palma, presidente da Junta da União de Freguesias do Laranjeiro e Feijó, que saudou os presentes e agradeceu à URAP a proposta de realização desta iniciativa, à qual a autarquia aderiu de imediato, reconhecendo o importante papel que a URAP desempenha na divulgação dos crimes do fascismo e na preservação da memória e homenagem aos muitos homens e mulheres que resistiram ao fascismo e lutaram pela liberdade e pela democracia.
Luís Palma agradeceu igualmente ao MDM a sua participação no evento, reconhecendo o seu valioso contributo na luta travada pelas mulheres, quer durante o regime fascista, quer já em democracia, pela sua afirmação e pleno reconhecimento do seu papel na sociedade em igualdade de género, num processo reconhecidamente longo e difícil.
Reafirmando todo o empenho da União de Freguesias no contributo para construção de uma sociedade mais justa, e para a continuação de uma gestão autárquica centrada nas necessidades das populações e na sua qualidade de vida, o presidente da Junta terminou a intervenção manifestando todo o interesse em realizar novas iniciativas com os mesmos parceiros, destacando a prioridade para o contacto com as escolas, levando a alunos e professores o conhecimento do nosso passado de ditadura e repressão e a discussão dos aspectos da cidadania que são o garante da democracia e da liberdade.
Maria Alberto Branco, da Direcção Nacional do MDM e coordenadora do núcleo de Almada, referiu que a edição do livro “Elas estiveram nas prisões do fascismo” é um contributo para a visibilidade do papel das mulheres na luta contra o fascismo, combatendo a invisibilidade das mulheres na História de Portugal.
A oradora deu uma breve panorâmica do que foi o caminho percorrido pela vida e a luta das mulheres desde a ditadura até aos nossos dias. Nesse sentido, recorreu ao próprio livro, falou da opressão e do papel subalterno das mulheres durante a ditadura, da luta que elas travaram contra o fascismo e do contributo para o processo revolucionário que decorreu da Revolução do 25 de Abril.
Em seguida, percorreu as conquistas da Revolução ao nível da igualdade na lei entre homens e mulheres em diferentes áreas da vida, nomeadamente a nível do emprego, da família, dos direitos políticos e da saúde sexual e reprodutiva. Sublinhou que a lei ainda não tem tradução em todas as áreas da vida, persistindo desigualdades, que se identificam com maior detalhe no mercado de emprego.
Afirmou que sobre as mulheres abatem-se diferentes formas de violência, desde a face mais visível que constitui a violência doméstica, à prostituição e ao tráfico de seres humanos, violência que gera elevados lucros e que tem as suas raízes nos sistemas estruturais que geram a injustiça e a desigualdade, a pobreza e a insegurança. Violências sobre as mulheres que são diversas, persistentes e se generalizam, e cujos efeitos são devastadores nas vítimas e no estatuto de todas as mulheres.
Na perspectivação do futuro, Maria Alberto Branco assinalou a centralidade do trabalho na vida das mulheres, condição necessária à subsistência e ao acesso das mulheres ao mundo das artes, do lazer, da vida colectiva. Condição necessária ao próprio combate às violências, dado que não existem opções se não existe a independência económica para escolher, razão pela qual a luta pelo direito ao trabalho e pelo direito ao trabalho com direitos assume um papel central na luta pela emancipação das mulheres.
Por fim, sublinhou a importância da luta em defesa dos direitos adquiridos e da luta emancipadora como meio para atingir um mundo em que mulheres e homens sejam mais livres, emancipados e felizes.
Carlos Mateus, numa introdução à apresentação do livro, a cargo de Marianela Valverde, referiu a existência da URAP como uma associação de carácter unitário, cuja intervenção não se substitui aos partidos, e que tem por objectivo a denúncia dos crimes do fascismo, do sacrifício de milhares de presos e de famílias com as suas vidas destruídas, preservando a memória histórica daquele período de terror fascista e a memória dos muitos homens e mulheres que lutaram abnegadamente contra o regime, prestando-lhes a devida homenagem.
A este propósito, o dirigente da URAP, referiu que a linha editorial da organização, com o lançamento de livros como o MJT, o Forte de Peniche e o livro sobre as Mulheres presas, agora em apresentação, bem como os próximos livros sobre a prisão de Angra do Heroísmo e sobre Caxias, é uma forma de revelar a vivência naquelas prisões, mas também de homenagear os muitos milhares de homens e mulheres que por lá passaram, muitos dos quais mais de uma vez e por longos anos, revelando os seus nomes, naturalidade, residência e os respectivos períodos de prisão, obtidos por consulta exaustiva nos arquivos da PIDE, na Torre do Tombo, no âmbito do Projecto Alfredo Caldeira, da responsabilidade da URAP.
Sublinhou a ideia de que a democracia não é algo que se possa ter por garantido para sempre, como o Chile em 1973, ou a Espanha em 1936 foram exemplos, que é necessário defendê-la e preservá-la permanentemente, através da acção cívica nas instituições democráticas, nomeadamente no movimento associativo popular, de natureza diversa, mas também na tomada de consciência individual de que só em democracia são respeitados direitos e liberdades.
Carlos Mateus terminou referindo que com este livro espera-se ajudar a uma melhor compreensão da vida naquele período de quase 50 anos, fortalecer valores e atitudes antifascistas, que se tornam cada vez mais necessários face aos perigos e ameaças, mais ou menos veladas, que se manifestam actualmente.
Marianela Valverde, em representação da URAP, doutoranda e investigadora na FCSH-UNL, iniciou a intervenção afirmando que nas fileiras da Resistência não constaram somente os homens. Na batalha contra a ditadura, as mulheres também estiveram presentes.
Contra uma condição de género imposta pelo regime, elas lutaram na prisão, na clandestinidade, participando activamente nas fábricas e nos campos, em movimentos sociais ou nas universidades, disse.
Para a oradora, a oposição contou assim também com as mulheres, apesar da desigualdade imposta e discriminatória que a confinava ao papel de mãe, de esposa e de dona de casa. Falar de resistência no feminino é falar também dos milhares de mulheres que caminharam durante 48 anos para as prisões políticas para visitar os seus familiares aprisionados, que se solidarizavam com outras famílias com idêntica realidade, que enfrentavam uma vida cá fora, com resiliência e resistência, perante uma ditadura que alterou profundamente os seus percursos de vida.
Continuando a sua exposição, lembrou que o capítulo “Mães que caminharam para as prisões”, que faz parte do livro “Elas estiveram nas prisões do fascismo”” retrata a acção destas mulheres através de três exemplos singulares (Herculana de Carvalho, Flora Magro e Maria Pato), induzindo-nos à contemplação do ser humano na plenitude do seu Ser, perante as suas formas de resistência, solidariedade e dedicação. As histórias das suas vidas, pelas vivências objectivas traduzem uma densidade dramática, sabendo que se constituem de dor, quereres, combate.
São retratos que trespassam as perplexidades humanas ao mergulharmos nas suas vidas interiores, permitindo-nos descobrir o sabor amargo das circunstâncias das suas vidas, o sofrimento incluso nos seus processos de luta. E estas mulheres, e as muitas mulheres que combateram os valores da resignação e obediência que a ditadura impunha, estão consagradas neste livro. “Elas Estiveram nas Prisões do Fascismo”, proporciona-nos assim o caminho que nos faz mais cônscios da existência de um tempo sombrio da nossa História, de um tempo que precisa de ser assiduamente narrado, na perspectiva de que, ao ser revisitado, permita que as memórias desse tempo passado permaneçam sempre presentes na memória colectiva, declarou para finalizar.
A sessão, na qual participaram cerca de 60 pessoas, contou com dois momentos de poesia, o primeiro com o poema de António Albino Machado, dedicado a Catarina Eufémia, por Gil Marovas, e o segundo por José Manuel Maia, o poema “Quando vieres”, de Eugénia Cunhal, que integra o livro em apresentação. Terminou com um momento musical protagonizado pelas Cantadeiras de Essência Alentejana, que levou aos presentes o cante alentejano no feminino.