A União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) foi de novo surpreendida pelas notícias de um projeto que se esperava estar definitivamente enterrado. Custa a compreender que um presidente de Câmara de maioria PS e conhecidos investigadores de história contemporânea, conhecedores do que foi o fascismo e os seus crimes, retomem projeto tão contestado, tão repudiado por democratas e antifascistas e, uma vez mais desrespeitem, com retocados argumentos, sentimentos de todo um povo que tanto sofreu e lutou para se libertar da opressão e do terror.
Protagonistas e promotores podem de novo exibir percursos académicos, propósitos «científicos», motivos diversos para justificar o injustificável: aproveitar a antiga escola na terra do ditador fascista, símbolo de uma escola segregadora, e quererem impor a construção de um pseudo «Centro de Investigação» do Estado Novo, que contribuiria para branquear um regime criminoso e a figura sinistra do ditador nascido no Vimieiro.
A história do fascismo é conhecida, com as dezenas de milhares de presos políticos; os locais onde eram torturados, como na António Maria Cardoso, no Aljube, em Coimbra, no Porto, em Caxias e nas delegações da PIDE e nos diversos postos das polícias onde, em muitos casos, ocorriam os primeiros espancamentos; a lista dos 230 assassinados pelas polícias do regime fascista; a lista e os nomes dos cerca de dez mil jovens militares que morreram na guerra colonial e dos muitos mais milhares que regressaram estropiados.
São hoje mais conhecidas as mazelas do Portugal amordaçado, o que foi a exploração, o que significou a censura; a ajuda que o ditador fascista deu ao fascismo em Espanha; o que copiou do regime fascista italiano e alemão para dominar pela opressão e violência os portugueses e os povos africanos colonizados.
Desse tempo não pode haver neutralidade face à memória e à história. Não se pode colocar lado a lado, na mesma balança, democracia e fascismo, como para se dar a escolher; não se pode colocar em confronto torturadores e torturados, não se pode humilhar a memória e a honra dos que com coragem, luta e humanismo iluminaram o inigualável processo libertador.
A URAP, associação de democratas e antifascistas, tal como o fez em momentos anteriores sobre o mesmo projeto, denuncia o que objetivamente é a promoção de um ditador fascista, de 48 anos de terror e morte que ainda estão presentes na memória dos portugueses.
Para conhecer melhor e estudar o que foi o regime fascista de Salazar e Caetano – o «Estado Novo», como o ditador o baptizou e os autores do projecto assumem – que se recorra às Universidades, onde se estuda a História Contemporânea; que se ajustem e melhorem os manuais escolares nos outros graus de ensino, muito parcos na informação objectiva e concreta sobre esse período da nossa história, mostrando o que foram os 48 anos de barbárie e o que significou para os portugueses e para o mundo a Revolução de Abril; que se visite o Museu do Aljube e o Museu Nacional Resistência e Liberdade, na Fortaleza de Peniche (que em poucos meses teve mais de cem mil visitantes), ambos com um calendário de centenas de visitas escolares.
Um espaço sobre a história do ditador fascista e do seu prolongado regime, chamando-se «centro interpretativo» ou tenha ele o nome que tiver, não é uma questão de «polémica». A URAP considera uma afronta que de novo «ilustres» investigadores, alguns já repetentes em versões anteriores, teimem em querer erguer um tão inqualificável projeto. O país não precisa de locais para romagens dos saudosistas, nem que se falsifique ou branqueie o fascismo e os seus crimes.
Para dar a conhecer melhor o que foi o regime fascista, importa sim lembrar e homenagear todas e todos os que lutaram contra a opressão. Que se ergam também espaços de memória na antiga Fortaleza de Angra do Heroísmo, local onde entre 1933 e 1943 centenas de ex-presos políticos sofreram a brutalidade do regime prisional, tantas vezes na «Poterna» e no «Calejão», semelhantes à «Frigideira» no Campo de Concentração do Tarrafal, e que o mesmo seja feito na antiga cadeia da PIDE no Porto, uma das cadeias em que mais presos políticos estiveram. Nestes dois locais, sim, enquanto parte muito significativa da memória história do sofrimento e luta desses tempos.
A Câmara Municipal de Santa Comba Dão não pode ser isenta neste teimoso processo, ao pretender servir-se da figura sinistra do ditador fascista como forma de promoção do concelho, ofuscando a imagem e a natural beleza do município e da Região. O dinheiro dos impostos dos cidadãos não pode servir para tais fins, mas sim para a promoção de valores humanistas, libertadores e de progresso de que foi e continuará a ser exemplo a Revolução de Abril.
A URAP dirige-se a todos e todas que abraçam valores e conquistas alcançados com a Revolução dos Cravos para não ficarem indiferentes, não aceitarem e combaterem esta repetida e igual iniciativa da Câmara de Santa Comba Dão.
Numa altura em que no país, na Europa e no Mundo ressurgem ideias e projetos reaccionários e fascistas, se prolongam conflitos e cada vez mais, em vez de paz, se fala e recorre ao militarismo não se dê lugar a espaços que repetidamente saudosistas reclamam.
URAP - União de Resistentes Antifascistas Portugueses
Lisboa, 5 de Março de 2025