Historiadores como Manuel Loff, Fernando Rosas e Luís Manuel Farinha são autores de textos recentes nos quais questionam a criação de um Centro Interpretativo do Estado Novo, no Vimieiro, na Escola Cantina Salazar, na sequência da assinatura de um Protocolo de colaboração entre a Câmara de Santa Comba Dão e a Associação Cultural Ephemera, dia 26 de Fevereiro passado.
Desde 2007 que o presidente da Câmara Municipal de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, insiste na ideia da criação de um Centro Interpretativo do Estado Novo na terra natal do ditador e que a URAP, acompanhada por um grande número de democratas - economistas, artistas, professores, médicos, e ex-presos políticos -, se lhe opõe, lembrando, entre outros, o espirito e a letra da Constituição da República.
Entre as diversas iniciativas tomadas para que não se instale na terra natal do ditador Salazar um Centro Interpretativo do Estado Novo, circulou um abaixo-assinado, que obteve mais 35 mil assinaturas, e deu lugar a duas petições à Assembleia da República e à tomada de posição unânime da AR contra a proposta camarária em 2007 e da Comissão Permanente em 2019. Em 2022, o Parlamento condenou mais uma vez a criação do “Museu Salazar” a partir de uma iniciativa do PCP – que reuniu os votos a favor do PS, BE, PCP e PEV e as abstenções do PSD e CDS.
Para o historiador Manuel Loff, que questiona que se deva ´interpretar´ Salazar em sua casa, “a aldeia onde o ditador é descrito como “um filho da terra”, um edifício que lhe está intimamente associado, com objectos pessoais... É absolutamente inevitável que se torne um ´santuário´”.
O historiador Fernando Rosas, por seu lado, considera que “correr o risco de transformar os locais simbólicos do salazarismo em altares de romaria nostálgica sob o pretexto de os “interpretar, parece-me totalmente fora de propósito”.
No mesmo sentido, o historiador Luís Manuel Farinha, num texto titulado “Normalizar a memória da ditadura ou promover o ´turismo negro?´”, depois de afirmar que “não tem a menor dúvida sobre a seriedade, honestidade intelectual e valor cientifico” do coordenador da Ephemera e a Comissão Científica, afirma “que para a grande maioria do povo português a Ditadura é Salazar. O problema é que Salazar nasceu no Vimieiro e o problema é que o ´Centro Interpretativo do Estado Novo´ vai surgir na ´Escola Cantina Salazar´ no Vimieiro”.
“Logo no Vimieiro na ´Escola Cantina Salazar´?”, pergunta Luís Farinha, acrescentando “Por que não um Centro Interpretativo do Estado Novo em Coimbra, cidade onde se formou e de onde partiu Oliveira Salazar para governar o país? Podia fazer sentido.(…)”.
O perigo do lugar se transformar num local “para romagens dos saudosistas” é também valorizado num comunicado da URAP, datado de 5 de Março de 2025, que recorda museus e bibliotecas existentes nos quais se pode estudar a história do fascismo português, como os museus nacionais da resistência e liberdade do Aljube ou de Peniche.
No documento, a URAP apela aos democratas para que não fiquem indiferentes a mais esta tentativa da Câmara de Santa Comba Dão, sobretudo “numa altura em que no país, na Europa e no Mundo ressurgem ideias e projectos reaccionários e fascistas, se prolongam conflitos e cada vez mais, em vez de paz, se fala e recorre ao militarismo”.