Pelo poder duma palavra / recomeço a minha vida / nasci para conhecer-te / nomear-te / liberdade
Assim termina o poema "Liberté" (Liberdade), de Paul Éluard, o maior poeta surrealista francês da Resistência, dito, numa tradução de Jorge de Sena, pelo actor FernandoTavares Marques ao fim da tarde de hoje na sessão de encerramento da visita da Tocha da Paz a Portugal.
Em Janeiro de 1942, o poema, composto por 21 estrofes, é lançado por aviões ingleses sobre França. Milhares de exemplares, contendo os versos mais famosos de Paul Éluard, membro do Partido Comunista Francês e mundialmente conhecido como O Poeta da Liberdade, chegam às mãos da Resistência francesa e fornecem um novo alento na luta pela libertação da ocupação nazi.
No Rossio, Marília Villaverde Cabral, coordenadora da URAP– União de Antifascistas Portugueses, lembrou que "a 9 de Maio de 1945, o povo de Lisboa encheu aquela praça com uma imensa alegria e uma grande esperança. (...) O Exército Vermelho tinha tomado o Reichstag, em Berlim, de 8 para 9 de Maio, a Alemanha tinha assinado a acta da capitulação".
Depois de recordar a festa com que Lisboa assinalou o final da II Grande Guerra, Marília Villaverde Cabral referiu que a viagem da Tocha pelos diversos países da Europa e Israel "são um contributo para que não se esqueça o período mais negro da história da humanidade: os mais de 50 milhões de mortos, todo o sofrimento e horror por que passaram todos aqueles homens, mulheres e crianças nos campos de concentração nazis".
"Mas comemorar a vitória sobre o fascismo, é também homenagear a resistência heróica dos que se bateram desde os primeiros dias da ocupação nazi até à expulsão e derrota dos invasores, como o povo francês, com os seus maquis, os seus partisans, o povo jugoslavo que chegou a organizar um exército de civis com mais de 300 mil homens, o mártir povo soviético que resistiu heroicamente até à vitória", disse.
Após ter sublinhado que em Portugal a neutralidade não foi verdadeira, a coordenadora da URAP falou do papel de Salazar na ajuda à Espanha de Franco e à Alemanha, enquanto o povo português sofria o racionamento e a fome.
"Salazar não queria salvar o povo e o país da guerra. Salazar queria salvar o seu regime fascista", afirmou, acrescentando que o regime aguentou-se após o fim da guerra e refinou os seus métodos de perseguição aos democratas e amantes da liberdade prendendo-os e torturando-os no campo de concentração do Tarrafal e nas cadeias do Aljube, Caxias e Peniche.
Lembrando que 70 anos depois as vítimas e os carrascos mudam mas a brutalidade humana continua, a oradora garantiu que "o futuro pertence, não aos que oprimem e exploram, mas aos que resistem e lutam em prol da emancipação da Humanidade".
Na festa de encerramento, e perante centenas de pessoas que se deslocaram em cordão humano desde o Marquês de Pombal ao som de cantos e hinos revolucionários, como Le chant des partisans, A long way to Tipperary, Katiuschka, Si me quieres escribir, Los cuatro generales, Lili Marleen, três canções heroicas de Lopes-Graça (Acordai, Jornada e Mãe Pobre), actuou ainda o grupo coral feminino "Cantadeiras da Alma Alentejana".
Ao princípio da manhã, a passagem simbólica da Tocha entre Almada e Lisboa realizou-se no Rossio, assegurada por um grupo de bombeiros e oito crianças, que a entregaram a jovens alunos da Voz do Operário que a esperavam integrados num grupo de elementos da URAP, Conselho Português para a Paz e Cooperação, Movimento Democrático de Mulheres, União dos Sindicatos de Lisboa e de Setúbal, Casa do Alentejo, Voz do Operário e Associação das Colectividades do Concelho de Lisboa.
Após breves palavras da representante da URAP, Olga Macedo, sobre o significado simbólico da Tocha, e de Rui Jorge Martins, vereador da Câmara Municipal de Almada, que acompanhou, juntamente com a presidente da União de Freguesias da Trafaria e Caparica, Teresa Coelho, o seu trajecto entre as duas cidades que o Tejo separa.
As centenas de pessoas presentes incorporaram-se então num cortejo entre o Rossio e a Escola Básica e Secundária Gil Vicente (à Graça), onde, por volta do meio-dia, se fez a entrega da Tocha ao representante da Associação de Estudantes.
Depois de curtas intervenções do director do Agrupamento de Escolas Gil Vicente, João Cortes, e de um representante da URAP, Feliciano David, cerca de 300 alunos e professores deslocaram-se à "vizinha" Voz do Operário, onde procederam à entrega da Tocha a um grupo de alunos do ensino básico desta escola, seguindo-se duas mensagens de boas-vindas por parte de uma professora e do representante da URAP.
Terminadas as intervenções, as crianças da Voz do Operário soltaram centenas de balões brancos com mensagens de paz.
A visita da Tocha da Paz da FIR – Federação Internacional de Resistentes iniciou, pela mão da URAP – União de Antifascistas Portugueses, o seu périplo no Porto, a 29 de Janeiro, e daí deslocou-se para Aveiro, Moita, Peniche, Grândola, Loures, Alhandra, Barreiro, Seixal, Setúbal, Palmela, Almada, terminando na Praça do Rossio, em Lisboa.
Por onde passou, o conjunto de actividades ocorridas ao longo destes 15 dias fez movimentar milhares de pessoas, incluindo centenas de crianças.
As comemorações do final da II Guerra Mundial já levaram a Tocha da Paz a vários países da Europa. O percurso iniciou-se na Bulgária, Macedónia, Hungria, Itália, Vaticano (tendo sido abençoada pelo Papa Francisco) e Israel.
O itinerário terminará em Berlim a 8 e 9 de Maio, dias que assinalam a rendição da Alemanha e a vitória definitiva dos Aliados sobre o nazi-fascismo, passando anteriormente por Espanha, Áustria, República Checa e Grécia.
ver intervenção de Marília Villaverde Cabral, coordenadora da URAP, no encerramento da iniciativa.