
Intervindo em primeiro lugar, Américo Nunes recordou os traços mais
significativos das lutas laborais e sociais de finais do século XIX e
dos princípios do século XX, sublinhando que a repressão sobre o
movimento operário não viria a abrandar com a revolução republicana de 5
de Outubro de 1910, pelo contrário. Levada ao poder com o apoio e a
intervenção do proletariado, a média e a pequena burguesia cedo se
lançou contra os trabalhadores e as suas reivindicações. Vivia-se então
um ambiente de intensa luta de classes, na ausência, porém, de uma
direcção forte e de um projecto que unisse os vários grupos operários
que aspiravam à justiça social, divididos em ideologias diversas e em
estratégias e tácticas diferentes. Nessa luta se formou a personalidade
de Bento Gonçalves, que mais tarde viria a ser eleito secretário-geral
do Partido Comunista Português, criado em 1921, único partido político
que sobreviveu à ditadura militar instaurada em 1926, que veio a dar
início ao regime fascista liderado por Salazar. Tanto os marinheiros
revoltados contra o Governo e solidários com a República espanhola, como
os que mais se destacaram na jornada insurrecional do 18 de Janeiro de
1934, foram em grande número enviados para o Tarrafal.
Campo da Morte
Lenta, nome que, como Aurélio Santos viria a recordar, foi dado ao
campo de concentração, onde se entrava para não mais sair, e onde o
médico fascista afirmava que estava ali «para passar certidões de
óbito». Aurélio Santos sublinhou o papel organizador de Bento Gonçalves,
e relevou os aspectos mais marcantes desse período do fascismo -
imitador do fascismo italiano de Mussolini, que Salazar considerava um
«génio político». Tanto na vertente reorganizadora do PCP e na
actividade subsequente que manteve nas duras condições da perseguição
terrorista, como depois no Campo de Concentração, de onde continuou a
dirigir o Partido e até ao seu assassinato, vítima de uma bilhardose não
tratada, Bento Gonçalves foi um resistente que cala fundo na memória
dos que o conheceram e dos que, hoje, de outra forma, resistem à
exploração e à injustiça.
José Barata era muito jovem quando foi
preso na sequência da Revolta dos Marinheiros. Chegou ao Tarrafal com 20
anos de idade e conheceu Bento Gonçalves mais pelo exemplo de trabalho,
de humanidade, de correcção, de disciplina que mostrava do que por uma
ligação mais próxima ou por uma aproximação de concepções políticas que
Barata ainda não partilhava plenamente. Fez questão de dizer: «Quando me
refiro a Bento Gonçalves e aos companheiros que comigo estiveram no
Tarrafal, digo sempre Camarada, não só em recordação do que lutámos
juntos como quando, já depois do 25 de Abril, não renegamos os nossos
ideais de então.»
No breve período de intervenções por parte do
público, entre o qual se registou a presença de muitos jovens, José
Barata teve oportunidade de recordar os objectivos da Revolta dos
Marinheiros, em 1936. Começara tudo com a degradação do salário e com a
luta promovida e orientada pela ORA - Organização Revolucionária da
Armada, ligada ao PCP. Eram todos jovens e eram todos praças - não havia
entre eles nenhum oficial. Os navios estavam proibidos de aportar em
Espanha em portos controlados pela República, só o podiam fazer naqueles
tomados pelos fascistas. Houve alguns marinheiros que desafiaram esta
ordem e logo foram expulsos e presos pela PIDE. A revolta surgiu, pois,
num movimento de solidariedade com esses camaradas e contra o governo
fascista dirigido por Salazar.
Lembrando o 25 de Abril e a sua
própria reintegração na Marinha, embora com um posto inferior ao que
deveria ter obtido por antiguidade. José Barata, quase quatro décadas
passadas sobre a Revolução, refere-se às lutas que de novo levantam o
povo contra a opressão. Tal como ontem, também hoje vale a pena lutar.