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José Jorge Sequeira Martins *
Foram os cerca de 14 mil mortos e 50 mil estropiados e deficientes. Foram os cerca de 500 mil africanos barbaramente assassinados, no quadro de uma política de puro genocídio. Foram 300 milhões de contos derretidos na matança.
O suficiente para, no mesmo período, se ter alterado de forma significativa o sistema de ensino, habitacional e de saúde, do nosso país.
Por tudo isto, a Guerra Colonial foi uma fábrica de monstruosidades. Um dos períodos mais negros da nossa História, que o regime fascista impôs ao povo português e aos povos livres e independentes de África.
I
Quando os marinheiros portugueses chegaram a África, no século XV, depararam-se com reinos devidamente estruturados do ponto de vista político, económico e militar.
O que os portugueses fizeram durante séculos baseou-se numa ocupação militar de natureza colonialista e dirigida quase exclusivamente para o comércio de escravos.
A exportação de milhões de escravos para as plantações do Brasil e para outros continentes, privou estas sociedades do mais importante elemento de construção económica - o homem.
A chegada dos portugueses interrompeu violentamente o desenvolvimento económico destes povos africanos.
O que os portugueses levaram para África não foi nem a civilização, nem a amizade entre povos, mas a guerra e o tráfego de escravos.
Os descobrimentos foi o momento mais alto da nossa história. Mas o sonho de uma vida melhor que lançou os capitães e marinheiros na aventura, foi traído pela coroa, como bem retrata o nosso poeta maior Luís de Camões, no canto VII, 30, em Os Lusíadas:
«Que destino tão grande ou que ventura
Vos trouxe a cometerdes tal caminho?
Não é sem causa, não, oculta e escura,
Vir do longínquo Tejo e ignoto Minho,
Por mares nunca doutro tenho lavrados,
A Reinos tão remotos e «apartados».
II
A Europa de então, sedenta de matéria-prima e de mão-de-obra barata (pela eclosão da Revolução industrial), lança-se na grande decisão do espólio africano: minas, algodão, café, tabaco, açúcar, sisal, etc.
A coroar esta política de pilhagem total, selvagem, cruel - o trabalho escravo.
A criação do Império africano não foi a defesa de uma quimérica comunidade pluriracial tão apregoada pelo fascismo-colonialismo.
O que se procurou obter foi a consolidação de um Estado imperialista, agregando territórios imensos sujeitos às leis do máximo lucro.
Nos anos de 1957/1960, o ganho do homem africano era de 5$00 e 10$00 por dia e a mulher chegava a ganhar 1$00 diário, mais a alimentação que constava de 1kg de farinha de mandioca ou milho, 4 a 5 peixes secos e um pouco de óleo de palma.
Isto, enquanto um trabalhador branco com a mesma qualificação recebia 15 a 20 vezes mais.
Esta era a justiça e a igualdade real que se aplicava nas colónias portuguesas.
Após 1926, a linguagem colonial proclama abertamente os objectivos para as colónias: exploração dos recursos e povoamento colonizado.
Mais de 99% dos africanos eram considerados elementos produtivos, organizados ou a organizar, numa economia dirigida por brancos, na pior das hipóteses como selvagens anónimos.
Para o colonialista, a vida de um negro não contava. Do ponto de vista sanitário, profiláctico, educativo, cultural, humano e social, as populações africanas estavam votadas ao abandono.
Os movimentos contra a opressão colonial não são raros. Durante séculos, nos territórios sob domínio português sublevaram-se tribos inteiras, desenvolveram-se milhares de lutas, às quais as autoridades portuguesas responderam da única forma política repressiva que conheciam - o genocídio em massa e a repressão administrativa e policial.
Os africanos das ex-colónias tentaram a mudança pacífica, mas verificaram ser impossível. Nos anos de 1959 e 1960, assistiu-se a diversos metralhamentos em larga escala, efectuados pela polícia contra africanos, que correspondiam aos apelos nacionalistas para protestos e manifestações. A ditadura fascista tinha fechado a via do diálogo. A ditadura fascista mostrou com os seus actos de repressão que não seriam concedidas quaisquer reformas.
III
O primeiro Manifesto do MPLA é claro: «...o colonialismo transmitiu a todo o corpo social de Angola, o micróbio da ruína, do ódio, do atraso, da miséria, do obscurantismo, da reacção (...). É de uma necessidade absoluta para o povo angolano impedir o desaparecimento da população negra de Angola.»
Como réplica à violência dos seus opressores racistas e fascistas, os nacionalistas compreenderam que só com o emprego construtivo da violência poderiam proporcionar a mudança que se tinha de fazer.
Em meados dos anos 50, um grupo de pioneiros lança mãos à obra e, numa clandestinidade rigorosa, cria os primeiros movimentos. Mas apenas três movimentos deram a resposta adequada ao fascismo. Apenas eles corresponderam a esta nova situação histórica: o PAIGC (Guiné-Bissau e das Ilhas de Cabo Verde); a FRELIMO (Moçambique) e o MPLA (Angola).
Mas na realidade, quem explorava as ex-colónias? Nos anos 50, o panorama era o seguinte:
Petróleo - mandavam 6 companhias estrangeiras;
Diamantes - mandavam 6 companhias estrangeiras;
Bancos - 7 bancos estrangeiros coordenavam todas as actividades exploradoras das colónias.
Ao todo 107 companhias e grupos financeiros tinham na mão o destino das potencialidades existentes nas ex-colónias.
A Europa, a América e o fascismo achavam que toda esta garantia de lucros fabulosos valia bem o empenho de uns quantos exércitos coloniais, numa África que oferecia facilidades e que, ao canhão e à metralhadora, apenas podia opor a coragem dos seus homens e mulheres.
Em 1968, o contingente das Forças Armadas totalizava 130 mil soldados da Metrópole. Era de longe o maior exército jamais constituído na história portuguesa. Proporcionalmente, as respectivas populações eram cerca de seis vezes superior às tropas americanas no Vietname.
As despesas para a defesa e segurança significaram 32,5% do Orçamento Geral do Estado.
A economia portuguesa mostrava-se cada vez mais impotente para suster o esforço de guerra em três territórios.
Num estudo efectuado em 1964, a OCDE assinalava que os enormes investimentos necessários ao nosso desenvolvimento económico eram comprometidos pelo esforço de guerra.
IV
A tomada de consciência dos militares de Abril continha o germe de uma luta longínqua contra o colonialismo, contra a guerra e contra as injustiças de um regime fascista discricionário e violento, não se dissociando, portanto, da luta do povo português contra a ditadura.
O povo português e as Forças Armadas estavam fartos de guerra, de defender uma guerra longe da sua pátria e a soldo de interesses imperialistas de rapina para engordar meia dúzia de famílias.
A fuga ao serviço militar tornou-se uma opção nacional e patriótica.
Assiste-se a uma emigração massiva, na sua maioria ilegal, como forma de escapar à guerra e à pobreza que assolava o país. De tal modo que o Censo de 1970 acusava uma população inferior a 1960.
Álvaro Cunhal em «Rumo à Vitória» (1964) acrescenta: já antes da guerra de Angola se vinha notando um descontentamento crescente das Forças Armadas contra a brutal disciplina fascista, contra os maus tratos dos soldados, contra a má alimentação, contra as arbitrariedades e os abusos constantes dos comandos. A guerra de Angola deu novas razões para o desenvolvimento da luta dos soldados. Se, nas condições de disciplina fascista e espionagem política existente nas Forças Armadas, se tivessem registrado em três anos meia dúzia de acções massivas de soldados contra a política fascista, isso bastaria para apresentá-las como uma amostra da resistência do povo e da juventude à política fascista e à guerra colonial. Não se registaram, porém, meia dúzia. Nestes últimos três anos têm-se registado centenas de lutas de soldados.»
Muitos militares que participaram no 25 de Abril no derrube do fascismo tomaram consciência de que a retirada pacífica se torna a única política sensata e patriótica a seguir.
Os generais podiam querer que as guerras continuassem, mas os generais ficavam em segurança no ar condicionado...
Descolonizar tornava-se a única maneira de acabar com as guerras.
A ditadura fascista de 48 anos foi derrubada porque não queria descolonizar.
O 25 de Abril seria, portanto, o fechar do cerco, o acontecimento que culminaria toda uma longa história de resistência, luta e esperança em Portugal e em África, à qual as Forças Armadas não podiam ficar indiferentes.
E decidiram pôr fim às guerras que travavam em África. Enfrentaram corajosamente a realidade.
O 25 de Abril foi uma vitória sobre a miséria, a exploração e a opressão, tanto em Portugal como em África.
*Autor do livro sobre a guerra colonial Autópsia de uma operação»