Intervenção de José Pedro Soares nos 80 anos do nascimento de Adriano Correia de Oliveira

Caras e caros amigos, associados da URAP e da Casa do Alentejo,
familiares, amigos e admiradores de Adriano Correia de Oliveira:

Como tem acontecido ao longo deste ano de 2022 em diversos locais do país, também hoje aqui nos juntamos, desta vez por iniciativa da União da Resistentes Antifascistas Portugueses e da Casa do Alentejo, para nos associarmos à evocação e homenagem nacional pela passagem dos 80 anos do nascimento de Adriano Correia de Oliveira, o grande cantor, o companheiro, o camarada e o amigo que nos deixou há já 40 anos.

Adriano Correia de Oliveira teve uma vida curta, mas cheia o suficiente para nos deixar tantas e tão inesquecíveis baladas e canções, uma obra de dimensão intemporal.

Ficámos sem a sua amizade e camaradagem ao nosso lado, o seu exemplo diário de cidadão empenhado nas lutas por maior justiça, por um país e um mundo com mais igualdade e melhor futuro.

Partiu muito novo, mas deixou-nos a sua obra, os inconfundíveis registos da sua música, a singularidade da sua voz e a riqueza poética das suas trovas e canções, que nos cantou em encontros e tertúlias, em grandes e pequenas salas, em ruas e praças, em acções populares e de luta, entre amigos, e sempre aquela voz ímpar, com liras, sonhos, trovas para unir, motivar e despertar para as causas e as lutas no nosso tempo.

Juntamo-nos hoje, neste bonito espaço da Casa do Alentejo, onde tantas vezes o Adriano também esteve, para evocar a sua memória, lembrar o seu contributo, a sua vida e obra.

Adriano Correia de Oliveira foi um dos maiores cantores da resistência e da luta contra a opressão e a guerra, a voz que se ergueu, como um grito, contra a opressão e pela liberdade.

A sua arte foi pautada sempre pelo rigor, uma forma de intervenção que em muito ajudou a rasgar caminho para o fim do fascismo e a conquista da liberdade.

Adriano foi cantor da juventude mais irreerente e progressista e do povo que lutava e luta.

A sua voz, a sua presença e os poemas que cantou, ao exprimirem as dores, angústias e sofrimentos, era também, esse o amor que semeava a revolta e o vento, o apelo contra a indiferença e o medo, a iluminar o caminho que era preciso percorrer para se concretizar os anseios e aspirações populares.

Em salas cheias, nos imensos espectáculos, nos encontros e convívio com jovens estudantes e, jovens trabalhadores, nas confraternizações e acções da oposição democrática no tempo da ditadura fascista, e depois no entusiasmo popular da Revolução de Abril, quando chegava a vez do Adriano, logo se gerava aquele voluntário silêncio para se ouvir a beleza inconfundível da sua voz, a sua arte, a força das palavras, a beleza das suas canções.

Adriano Correia de Oliveira foi homem da cultura e da música que nos deixou um património intemporal, que importa continuar a divulgar e dar a conhecer.

A sua voz, as suas trovas e canções deixaram marcas, num tempo em que foi necessário combater a opressão e o medo, e depois, com o 25 de Abril, alimentando a alegria e a força popular na marcha transformadora e progressista trazida pela nossa Revolução.

Adriano Correia de Oliveira, foi com José Afonso e outros cantores da nova música portuguesa, na última década do regime opressor e, nos primeiros da Revolução de Abril, um dos grandes animadores do movimento popular e da juventude, a força e o conteúdo das suas cantigas, foram e são, para todos nós, um imenso património.

Cantadas por todo lado, foram símbolos na resistência e depois hinos de Abril, formas de acção, resistência, humanismo e justiça, registos e marcas históricas de um tempo de lutas e alegrias que incorporaram valores, sonhos e esperanças abertas pela revolução de Abril.

Sabemos que o Adriano nasceu em1942 em Avintes, concelho de Vila Nova de Gaia, e cedo se ligou ao associativismo na União Académica de Avintes.

Depois frequentou o Liceu Alexandre Herculano, no Porto, cidade onde mais tarde acabaria por gravar todos os seus discos.

Aos 17 anos foi para Coimbra, onde nos anos seguintes conheceu o José Afonso e outros músicos e poetas, iniciando aí outra fase da sua vida.

Nessa cidade do Mondego torna-se membro do CITAC, foi coralista no Orfeão Académico e também atleta na Associação Académica de Coimbra.

Já nessa sua actividade de cantor, aí começou na canção de Coimbra, da qual viria a ser um grande inovador, assumindo pouco depois, um papel de relevo na música de intervenção portuguesa como um dos cantores mais marcantes na luta contra o fascismo.

Muito do seu reportório foi criado e desenvolvido nesse contexto académico, numa altura em que a própria Associação de Estudantes assumia já uma actividade de contestação do regime, e se vivia um ambiente de maior politização e de grandes lutas académicas.

É por isso natural, que os que lhe foram mais próximos, recordem, quanto foram interessantes as tardes e noites de conversa e convívio e a ouvir as suas canções.

Pois é Adriano,
tu bem sabias que nesses duros anos de juventude, a grande maioria dos que contigo brincaram, já não te puderam acompanhar, quando foste para o liceu e mais tarde para a Universidade.

Esses eram os tempos
do “deus, pátria e família” do fascismo salazarista que infelizmente, alguns saudosistas, ainda hoje procuram enganosamente reabilitar.

Mas tu bem sabias Adriano
que muitos desses teus amigos que não te puderam acompanhar na ida para o liceu, acabaram também muitos deles por deixar lugares rurais, aldeias e locais mais afastados a caminho das cidades, para os meios operários, zonas urbanas, para outros empregos e depois, interessados como tu, procuraram frequentar escolas nocturnas, conciliado assim trabalho e o estudo, muitos que depois reencontras-te nos convívios, nas tertúlias quando aparecias, sempre tu e a viola, para cantares.

Tu bem te apercebeste Adriano,
foi também, toda essa malta, que ajudou a dar a volta a isto.

Os que nas fábricas, nas universidades e nos quartéis, a malta de todos esses sítios que em 25 de Abril encheu ruas e praças, cercaram as sinistras cadeias do fascismo enquanto os seus, os presos políticos, não fossem todos libertados, dias luminosos onde, em vez de balas, dessa vez, como te recordarás, as espingardas ergueram cravos.

É por tudo isso Adriano,
que hoje, aqui na Casa do Alentejo, como tem acontecido este ano por todo o país, também te queremos agradecer, e sabes, nestes tempos em que viemos não mais parou a grande ofensiva contra as coisas boas da nossa revolução.

É mesmo verdade Adriano,
os grandes interesses económicos que combatemos, lembraste, mandam de novo em quase tudo isto, e sabes, continua aquela velha circunstância de haver partidos democráticos a preferirem as políticas que tantos atrasos e retrocesso têm criando, ao mesmo tempo, está de novo à vista de todos, o tal contrastante, entre os lucros escandalosos dessa gentalha e a má sorte dos que vivem apenas do seu trabalho.

Pois é, tu bem sabias Adriano,
a nossa Revolução de Abril foi travada, não foi concluída, se é que alguma revolução ou processo transformador como a nosso tem fim, ou alguma vez chega mesmo a ser concluído, mas a verdade é que continuamos a tropeçar nos retrocessos, na falta do tal rumo com que sonhámos e tão valentemente te bateste.

É mesmo verdade Adriano,
se visses como agora manipulam a informação nos condicionam e segregam apenas por teres e exprimires opinião diferente.

E sabes mais Adriano,
a extrema-direita, que parecia estar escondida, afinal reapareceu, o tempo parecia ter-lhes fugido, mas aí estão saudosistas e mostrando mesmo os seus projectos retrógrados e reaccionários, tudo quererem privatizar e sempre aqueles antigos tiques antidemocráticos e anticomunistas, como naqueles tempos, lembras-te.

É também por isso Adriano,
que muitas vezes pensamos em ti, palavra de honra sim, chegamos mesmo a ter saudades tuas, da tua força, da tua presença e da tua voz.

Mas nós continuamos Adriano,
e sabes, connosco há sempre outros mais a participar, esta nossa força vai-se renovando, e como diz um teu outro amigo cantor, “enquanto houver estrada para andar”, a vida e a luta continua, “a gente vai continuar”.

Estimados amigos e camaradas,
o Adriano Correia de Oliveira deixou-nos cantigas e músicas que se prolongarão no tempo. Ele foi o grande trovador da sua geração, o homem e o artista fraterno e generoso, que fez da sua viola e das canções a sua arma e forma principal de intervenção.

É esse amigo, companheiro e camarada inesquecível, o grande cantor da resistência antifascista e da Revolução de Abril, que hoje aqui lembramos.

Por isso, como naquele dia silencioso e triste de despedida, de novo te dizemos: Obrigado Adriano e até sempre! 25 de Abril Sempre! Fascismo nunca mais!

 

Intervenção de José Pedro Soares, na homenagem realizada por ocasião dos 80 anos do nascimento de Adriano Correia de Oliveira, a 27 de Novembro de 2022, na Casa do Alentejo, em Lisboa, em colaboração com a Comissão das Comemorações dos 80 Anos de Adriano Correia de Oliveira e a Casa do Alentejo

 

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