Cinco anos volvidos após a grande mobilização de democratas e antifascistas junto ao Forte de Peniche visando a reversão da decisão governamental de entrega daquele local a privados para fins hoteleiros, que contribuiu para a criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade, a URAP organizou um encontro/convívio, dia 30 de Outubro, que contou com a participação de cerca de 300 pessoas.
Na ocasião, a URAP apresentou igualmente a 2ª edição do livro “Elas Estiveram nas Prisões do Fascismo”, posto à venda pela primeira vez naquele mesmo lugar, uma obra que presta homenagem às mulheres que foram presas pelas sucessivas polícias políticas da ditadura fascista e que fornece informação sobre a situação e estatuto das mulheres nesse período.
Os activistas e amigos da URAP presentes no Forte de Peniche vieram de diversos pontos do país, nomeadamente Alenquer, Amadora, Aveiro, Bobadela, Braga, Cacém, Lisboa, Marinha Grande, Mem Martins, Queluz, concelho de Loures e Vila Franca de Xira ; e de concelhos da Península de Setúbal como Almada, Baixa da Banheira, Barreiro, Moita e Seixal; e também de Évora e Montemor-o-Novo.
Depois do membro do Conselho Nacional e coordenador do núcleo de Peniche da URAP, João Neves, saudar os presentes e lembrar a solidariedade demonstrada pela população de Peniche aos presos políticos e aos seus familiares, durante a ditadura fascista, e do momento musical dos “Amigos de Abril”, que interpretou conhecidas canções da resistência, tomou a palavra o ex-preso político, em Peniche e Caxias, Mário Araújo.
Mário Araújo, do Conselho Nacional da URAP, felicitou a recém nomeada directora do museu, Aida Rechena, e agradeceu a todos os que nele trabalham, sublinhando “a forma empenhada e simpática com que asseguram, no dia a dia, a recepção dos visitantes (100.000 só nos primeiros cinco meses após a sua abertura em Abril de 2019, e 16.000 já em Agosto de 2021) bem como o funcionamento do museu”.
Depois de desejar que as obras terminem em breve e se possa proceder à inauguração do museu, “pelo menos em 2024, no 50º aniversário do 25 de Abril”, a que chamou de “um grande espaço de memória para dar a conhecer a todos, e em particular às novas gerações, a história do que foi a ditadura fascista em Portugal e, por outro lado, a luta e a resistência do povo português contra a opressão e pela liberdade”, Mário Araújo destacou a importância da existência “logo à entrada, do Memorial onde se inscrevem os nomes dos encarcerados que aqui passaram anos amargos das suas vidas”, que nos remete para “os muitos milhares de presos do fascismo, homens e mulheres, encerrados nas diversas cadeias no continente, nas ilhas e nas colónias”.
O orador prestou “homenagem e reconhecimento a todas e todos os que, sob as mais diversas formas, repudiaram e combateram o fascismo e muito especialmente os que estiveram mais próximos nesses tempos difíceis, as companheiras, as mães, pais, filhos e irmãos, os familiares e os muitos, muitos amigos, sempre presentes no apoio, nas palavras e em actos de inesquecível e combativa solidariedade”.
Para finalizar, afirmou que “este será sempre um local de memória futura e a Fortaleza de Peniche, sendo um iniludível símbolo do terror fascista, é também, nos dias que correm e certamente continuará a sê-lo no futuro, um dos mais elevados exemplos, bandeira e símbolo da resistência contra o terror, de onde se elevou o melhor do que o ser humano é capaz: a coragem de dizer não e lutar pela liberdade e a democracia”.
A directora do museu, Aida Rechena, que encerrou a sessão, saudou os presentes e manifestou o empenho no prosseguimento dos trabalhos que possibilitem a conclusão da instalação do museu e destacou a importância determinante da luta e empenho de todos os democratas e resistentes antifascistas para que ele seja uma realidade.
Anteriormente, Marília Villaverde Cabral, apresentou a segunda edição do “Elas Estiveram nas Prisões do Fascismo”. A vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral da URAP fez uma resenha do conteúdo do livro e começou por destacar que “logo na primeira página, pode ler-se a dedicatória: ´a todas as mulheres portuguesas que, em tempos de medo, silêncio e opressão contribuíram com palavras e actos de resistência para a construção do caminho solidário para a liberdade e a democracia´”.
“A foto da capa chama logo a atenção para o horror a que as mulheres presas estavam sujeitas: Albina Fernandes agarrada ao seu filho, Rui, na cadeia, com medo que lho roubassem”, disse, acrescentando que o “livro trata, não só do enquadramento político, social, ideológico e cultural da ditadura fascista, mas igualmente da participação de mulheres em numerosas lutas no plano social, nos combates no plano político de formas semi-legais ou na clandestinidade, numa sociedade dominada por valores conservadores e patriarcais”.
“Começa por caracterizar como a Constituição de 1933 constituiu um suporte em que o regime fascista se apoiou para a discriminação das mulheres e em como a sua propaganda teve um papel fundamental para a criação da imagem da ´Fada do Lar´. A mulher casada foi privada de direitos, devendo ´obediência ao marido´. Foi-lhe negado o poder patronal e a possibilidade de administrar os seus bens, mesmo aqueles provenientes do seu trabalho, podendo o marido denunciar o seu contrato de trabalho”, afirmou.
Em seguida, Marília Villaverde Cabral, lembrou que as mulheres eram discriminadas no plano jurídico e político e enumera as profissões que lhes eram vedadas ou que só podiam exercer com limitações, para assinalar em seguida a criação de organizações femininas criadas para combater esta realidade como “o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, a Associação Feminina Portuguesa para a Paz e o Movimento Democrático de Mulheres (MDM), criado em finais de 60 e que ainda hoje prossegue a sua luta pela emancipação da mulher, porque há ainda muito caminho a percorrer”.
“O dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, foi celebrado durante o fascismo, muitas vezes organizado por núcleos ou comissões femininas de Movimentos Unitários como o MUNAF, o MUD de cuja Comissão Central fazia parte Maria Isabel Aboim Inglês, o MND com Maria Lamas e Virgínia Moura”, referiu, falando igualmente que o livro contém um capítulo sobre as “Mulheres nas Lutas Sociais”.
O papel das mulheres nas campanhas eleitorais para a presidência da República, nas lutas estudantis, nos Congressos de Aveiro, como quadros na clandestinidade, como mães ou companheiras de presos políticos, e ainda os nomes, profissões, concelho de naturalidade e residência de 1.755 mulheres presas constam igualmente do livro.
A oradora terminou afirmando que “apesar da Revolução de Abril, há ainda discriminação. Continuaremos a lutar. O trabalho da URAP, procurando no passado, para que a luta destes heróis não caia no esquecimento, tem sempre os olhos postos no futuro. Porque hoje, também é necessária a luta para que o fascismo nunca mais volte à nossa Terra”.


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