O historiador Luís Farinha considerou, numa sessão realizada na Torre do Tombo, a obra “Elas Estiveram nas Prisões do Fascismo”, um tributo directo à memória e à verdade, um memorial das vítimas do fascismo, em livro” que “não sendo um livro de História é, contudo, um contributo precioso para um estudo histórico que lhe venha a suceder”.
Luís Farinha, investigador no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e ex-director do Museu do Aljube Resistência e Liberdade, falava dia 20 de Outubro, num colóquio destinado a apresentar esta última obra editada pela URAP em Junho passado, cuja primeira edição se encontra esgotada.
“Como cidadãos de uma sociedade democrática fundada na luta das mulheres e dos homens que lutaram contra o fascismo temos para com elas e eles um tributo que nenhuma reparação material alguma vez conseguiria cumprir. Mais do que dá-los a conhecer, precisamos de socializar a sua memória e o seu nome para que a sociedade faça o seu reconhecimento”, acrescentou o orador.
Depois de ler as cartas de duas mulheres presas, nos anos 60, durante nove anos em Caxias de condições sociais diferentes - Colélia Fernandes e Maria Alda Nogueira, a primeira com dois filhos pequenos -, Luís Farinha descreveu as condições da vida prisional de ambas e o futuro que as esperava quando saíram da cadeia.
Numa análise à estrutura e conteúdo do livro, o orador considerou que este “enquadra, numa primeira parte, o estatuto social da mulher e os campos de luta em que se empenhou para a sua dignificação; numa segunda parte dá a conhecer aspetos vários da vida prisional; numa terceira parte fornece uma lista de 1755 mulheres, sobre quem é dado o nome, a data de nascimento, a profissão e a data da prisão (ou das prisões); e numa quarta e última parte fornece alguns dados estatísticos para os anos de 1934 a 1974”.
Ao valorizar os dados estatísticos que o livro comporta e as fontes consultadas, 148 livros do Registo de Presos, do período entre 1934 e 1974, considerou-os “um universo diminuído no caso do direito à memória e do direito à verdade, por ser incompleto; e um universo suficiente e bastante para um estudo histórico prosopográfico por ser amplamente representativo”.
Ao mesmo tempo, segundo Luís Farinha, é um trabalho fundamental “contra a amnésia, as memórias falsas, o branqueamento e o apagamento deliberado da memória”, e “é, sobretudo, um trabalho de reabilitação da memória e da reposição da verdade”.
“Funciona como um memorial coletivo, no qual todos os nomes são mencionados, sem qualquer outro critério que não seja o de dar a conhecer o nome de todas as mulheres presas, independentemente da sua condição social ou da sua ideologia e posicionamento político. Desse ponto de vista ele é pioneiro e talvez não pudesse ter sido feito há duas décadas, embora os arquivos da PIDE já estivessem abertos. O nosso olhar sobre o passado é agora um olhar mais pacificado”, afirmou.
No final, Luís Farinha fez uma análise do 25 de Abril de 1974, a transição democrática por rutura revolucionária, a curta duração temporal da revolução que levou a uma rápida recomposição social das instituições e corpos sociais, para concluir que “foi desmantelado o Estado ditatorial e as suas estruturas repressivas. Ergueu-se uma nova estrutura política democrática, mas a justiça transicional foi muito tímida”.
O orador defendeu ainda que “precisamos de criar (multiplicar) os espaços de memória democrática e combater assim os negacionistas, os inimigos da liberdade e todos aqueles que estão dispostos a impor pela violência a submissão dos outros homens e mulheres. Multiplicar a apresentação deste livro, divulgá-lo, é uma obrigação de cidadania democrática”.
A sessão, na qual participaram cerca de 50 pessoas, foi presidida por Celestina Leão, membro da mesa da Assembleia Geral da URAP, e tomou ainda a palavra o coordenador, José Pedro Soares, que agradeceu as palavras do convidado e anunciou resumidamente os trabalhos futuros da organização, que se quer cada vez mais unitária e abrangente, na denúncia do regime fascista e na preservação da memória.


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