“É para mim uma honra ter sido, desta vez, o ex-preso político indicado, para intervir neste convívio, em que se assinala o sexto ano da grande luta travada pela reversão do projecto do governo que pretendia transformar o Forte de Peniche numa unidade hoteleira privada. Em resultado dessa luta, o governo recuou no grave erro que ia cometer e, finalmente, vai ser instalado nesta Fortaleza o Museu Nacional Resistência e Liberdade”, disse José Marcelino.
O ex-preso político e membro do Conselho Nacional da URAP falava, dia 29 de Outubro, na Fortaleza de Peniche, no VI Encontro-Convívio que a URAP em colaboração com o Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL) organizaram, e que foi apresentado por Marília Villaverde Cabral, vice-presidente da Assembleia Geral da URAP.
“Poderemos continuar a ver os pavilhões prisionais, as pequenas celas onde companheiros passaram anos e anos encarcerados. Sem essa luta, seriam destruídos locais, e também parte da história visitável onde tantas vidas foram sacrificadas na luta contra o fascismo”, afirmou José Marcelino, depois de referir, que se assim não fosse a memória de uma das mais terríveis prisões política da ditadura “iria perder-se no tempo das futuras gerações”.
No mesmo encontro, Aida Rechena, directora do Museu Nacional Resistência e Liberdade, de Peniche, sublinhou que este museu é único, porque nasceu da iniciativa popular. “Este Museu é vosso”, declarou.
A directora do MNRL anunciou que as obras do museu deverão estar concluídas em Abril de 2023 e que, após a instalação de todo o acervo, este será inaugurado em 27 de Abril de 2024.
Aida Rechena referiu ainda que o acervo não resulta de colecções privadas, mas da recolha de numerosa informação fornecida por ex-presos políticos e por entidades ligadas à Resistência, entre as quais a URAP.
Na sua intervenção, José Marcelino recordou também que “este foi o local onde a Ditadura Militar, pouco depois do golpe de 1926, colocou uma guarnição militar para vigiar e acolher diariamente a presença de deportados que foram enviado para Peniche e que aqui na Fortaleza tinham de se apresentar diariamente (…)”, acrescentando que “a partir de 1933, já com Salazar no poder, o fascismo passou a utilizar a Fortaleza como prisão de alta segurança para cumprimento de penas dos pesos políticos já condenados”.
“Desde 1934 a 1974, até à Revolução de Abril, por aqui passaram mais dos 2.500 homens e duas mulheres, cujos nomes estão inscritos no Memorial existente no interior da Fortaleza. Eram fundamentalmente presos muito jovens, na sua maioria com idades inferiores a 30 anos (…). Na maioria eram operários fabris e agrícolas, mas também aqui estiveram presos advogados, médicos, engenheiros e homens de muitas outras profissões”, disse.
Depois de falar nas condições prisionais, nas penas e medidas de segurança e nas fugas, José Marcelino agradeceu à directora do Museu, Aida Rechena, e a toda a equipa, o trabalho que estão a fazer para pôr de pé o Museu Nacional Resistência e Liberdade, que “será uma grande escola de civismo e de cidadania, um grande espaço de formação e de afirmação democrática. É isso que mais desejamos, e todos juntos, nunca seremos demais para o defender”.
Marília Villaverde Cabral, que abriu a sessão, disse que esta iniciativa, que contou com centenas de pessoas, tal como as anteriores, tinha sido promovida por ex-presos políticos, familiares, democratas e amigos.
“Nós, URAP, temos orgulho em termos iniciado todo este processo, em colaboração com a Câmara Municipal de Peniche, na pesquisa dos nomes de todos aqueles que deram o melhor das suas vidas para que o povo português pudesse ter alcançado a liberdade. E para que não se esqueça, ali estão os seus nomes gravados no Memorial, onde se lê a bonita e tão profunda legenda escrita por Borges Coelho: ´Nomeai um a um todos os nomes. Lutaram e resistiram. A Liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta fortaleza´”, disse a vice-presidente da Assembleia Geral da URAP.
O convívio assinalou também a passagem dos 60 anos da proibição pelo regime fascista do poema “Por teu livre pensamento”, conhecido por Fado Abandono ou Fado de Peniche, que Amália celebrou com música de Alain Oulman, ele também preso político, que foi cantado por Luísa Basto. A encerrar, houve ainda um momento musical a cargo do grupo “Os Amigos de Abril”.
Do programa do convívio constou ainda um almoço organizado pelo núcleo da URAP de Peniche, na Cantina da Câmara Municipal de Peniche, onde estiveram cerca de 300 pessoas.
Após o almoço, os participantes, vindos nomeadamente dos distritos de Lisboa, Setúbal, Évora, Beja, Leiria, Aveiro e Viseu, desfilaram pela rua marginal de Peniche até ao memorial dos presos políticos no interior da Fortaleza, com faixas e bandeiras da URAP e de Portugal, entoando palavras de ordem alusivas à defesa do 25 de Abril e à Paz.
Em 2016, o Forte de Peniche encheu-se de democratas e antifascistas para exigir a reversão da decisão governamental de entrega daquele local a privados para fins hoteleiros, intitulado "Programa Revive", o que contribuiu para a criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade.
Esse protesto, para além de outras acções então efectuadas, levou a Assembleia da República e o Governo a reconhecerem a importância da Fortaleza de Peniche, onde funcionou entre 1934 e 1974 uma das mais sinistras cadeias do fascismo, enquanto espaço de resistência, memória e luta.
O convívio visa saudar a criação do Museu Nacional Resistência e Liberdade, a realização das obras, a elaboração do projecto museológico, a inauguração da primeira fase e a continuação dos trabalhos que levarão à sua rápida conclusão e à inauguração final, como um dos momentos altos das comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril.