Em Mafra, no Largo Coronel Brito Gorjão, foi inaugurado na noite de 24 de Abril, o Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos do Concelho de Mafra (1926-1974) para assinalar a luta de 191 resistentes e combatentes pela democracia e pela liberdade do concelho, da autoria do escultor José Eduardo.
Simultaneamente, foi editado um livro, “Lutaram pela Liberdade! Uma história da Resistência à Ditadura Fascista no Concelho de Mafra (1926-1974)”, com uma App colocada no monumento, onde se pode obter a informação nele contida.
Foi mais uma forma de comemorar o 50º Aniversário da Revolução de 25 Abril, por iniciativa da Câmara Municipal de Mafra, em cooperação com a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP).
Luís Farinha usou da palavra em nome do Núcleo da URAP e cidadãos democratas e antifascistas de Mafra na inauguração do memorial “erguido em honra da Liberdade nos 50 Anos do 25 de Abril”.
Saudou o presidente da Câmara Municipal de Mafra, Hélder de Sousa Silva, o vereador da Educação e Cultura, José António Paulo Felgueiras, em nome de toda a edilidade; Eugénio Ruivo, ex-preso político e do Conselho Nacional da URAP, em nome de todos os ex-presos políticos e de todos os democratas e antifascistas; os capitães de Abril presentes pelo desmantelamento do regime ditatorial; o escultor José Eduardo pelo bem-sucedido memorial; os familiares dos ex-presos democratas e antifascistas presentes; e, finalmente, todos os concidadãos presentes “neste Cinquentenário da Revolução de Abril, a aspiração colectiva de um país mais justo, de um Portugal digno do espírito levantado de Abril”.
Depois de assinalar que decorreram celebrações do 25 de Abril em muitas partes do país e mesmo de todo o Mundo, Luís Farinha sublinha a defesa da liberdade conquistada, mas nunca concluída, por tantos, nomeadamente os órgãos de Poder Local.
A libertação da guerra, da emigração forçada, da opressão patriarcal, da miséria, do analfabetismo, da prisão política, da censura, dos baixos salários e pensões, do trabalho infantil, da miséria de largas camadas do povo e do seu atraso cultural, foram conquistas destacadas pelo orador num país que atravessou um tão longo e penoso regime de opressão.
Referindo-se ao memorial e ao livro que o acompanha, o historiador lembra que evocam “as duas centenas de ex-presos de que soubemos o nome e a razão da sua luta e detenção, mas também de todos os outros resistentes à opressão e ao medo, que não foram presos, mas que engrossaram a barricada da luta (…)” contra o governo.
“Houve resistentes à Ditadura desde os primeiros dias, aqui, em Mafra. Os sargentos da ORS (Organização Revolucionária de Sargentos), que o comerciante Miguel de Medeiros ligou, em 1935, à “Revolta de Mendes Norton”. Os cadetes da EPI que, em 1936, se opuseram ao injusto apoio político-militar aos franquistas, e por isso foram conduzidos à Casa de Reclusão do Governo Militar de Lisboa. As dezenas de apoiantes de uma transição democrática em 1945 que, por se terem oposto às prisões políticas e à autocracia do Ditador, foram presos em 1948 e mantidos injustamente em Caxias, no Aljube ou em Peniche. Com eles - lembremos os nomes de alguns: Afonso de Medeiros, José Filipe Teixeira, Cassiano Ferreira, Mário Luís Caracol, Sanches de Brito, Carlos Simões – se fez, mais tarde, a transição para o poder democrático local, em dezenas de reuniões populares pelas diferentes freguesias de Mafra, nos últimos meses de 1974 e em 1975”, contou.
“Ainda as dezenas de refugiados políticos, que fugindo ao antissemitismo, ao nazi-fascismo e aos campos de concentração do franquismo, foram sendo acumulados, com residência fixada, na Ericeira, depois de périplos trágicos pelas Prisões da PIDE. Pinkus Israelski, um tecelão polaco, foi colocado quatro anos no Campo de Concentração do Tarrafal de Santiago por não ter um passaporte considerado válido. Depois da estadia no Tarrafal, foi colocado com residência fixada na Ericeira e só conseguiu sair em 1948, quando o Ditador decidiu fazer uma “limpeza” no país para facilitar a entrada na NATO e na ONU. Lembremos ainda os estudantes que, pelos anos 70, foram sendo presos pela sua oposição à Guerra Colonial e à universidade elitista da Ditadura. Os cadetes da EPI e de outros quartéis onde começaram a soar as vozes fortes da contestação pelos anos de 71 e 72, como nos testemunhou Armando Teixeira. A atual escritora mafrense Hélia Correia. O Daniel Teixeira, morto em Caxias por falta de assistência médica. Os irmãos Borges, João e Mário, os irmãos Pimenta, estudantes em Lisboa, todos muito ativos em Mafra. O José Alberto Franco, um dos membros ativos do nosso grupo de trabalho, preso enquanto militante em diferentes grupos de jovens estudantes católicos. O Padre Ismael Gonçalves, vindo de Belém para a Igreja Nova, onde foi preso por ser acusado de dar apoio à produção do BAC (Boletim Ati-Colonial), uma publicação dos Católicos Progressistas em luta contra a Guerra Colonial. Depois, toda a nova geração estudantil que, participando no movimento político unitário das CDE, em 1973, foi ao III Congresso da Oposição Democrática de Aveiro, lutou por um recenseamento justo e preparou com entusiasmo as Eleições do MDP-CDE em 1973”, acrescentou.
Após afirmar que “não é possível nomear todos os nomes dos presos e perseguidos” e de lamentar que “agora alguns – historiadores e políticos -, interessados em branquear a história ou alicerçar os seus projectos autoritários, dizem que o fascismo nunca existiu”, o orador leu o poema, “E o Povo Trabalhador?”, de António Batalha, com a 4ª classe feita aos 34 anos, um homem do povo de Mafra, oleiro, operário da FOC, sindicalista.
E O POVO TRABALHADOR? *
É deste povo em acção
Que brota toda a produção
O garante e resultado
Mas no meio de tudo isto
Como é que este é visto?
Como é considerado?
(…)
Nós não somos lixo não!
Somos povo onde a razão
Está sendo martirizada
Povo que sofre o açoite
Esperando a queda da noite
E o surgir da madrugada
(…)
Ninguém sabe responder
Pois todos estão a viver
A sede de uma mudança
Todos revelam cansaço
Mas caminha-se passo a passo
Sobre a linha da esperança.
O livro contou com os apoios da Câmara Municipal de Mafra, União de Resistentes Antifascistas Portugueses, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Comissão dos 50 Anos do 25 de Abril, Museu do Aljube Resistência e Liberdade, Museu Nacional Resistência e Liberdade, Memoriacomum.org.
“Juntaram-se vontades, alargou-se o estudo, despertaram-se silêncios antigos e surgiu um Memorial e um livro”.