por Gustavo Carneiro, jornalista
No ano em que se assinala o 80.º aniversário da vitória sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, importa combater a violenta ofensiva ideológica que também a propósito deste acontecimento se trava, numa batalha que é sobretudo acerca do presente e dos caminhos do futuro.
1. Loucura ou algo mais?
É vulgarmente aceite que Adolf Hitler e seus seguidores eram loucos e que a isto se devia toda a brutalidade do nazi-fascismo. Com esta tese pretende-se apagar o facto essencial da natureza do nazi-fascismo e da sua ligação a importantes sectores da indústria e da finança alemãs – e não só.
No complexo de campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, por exemplo, tudo era financiado pelo Deutsche Bank. A IG Farben-Bayer, fornecedora do gás mortal Zyklon B, a IBM, a Metall Union, a Krupp, a Allianz, a Opel, a BMW ou a Volkswagen, entre outras, beneficiaram da mão-de-obra escrava cedida pelos campos de concentração: em 1943 haveria 12 milhões de trabalhadores escravizados na Alemanha.
O triunfo do nazi-fascismo (como de todas as expressões de fascismo, cada uma à sua maneira) resultou do apoio dos monopólios ao seu programa ferozmente militarista, expansionista, anticomunista e antidemocrático, que lhes servia. Muito embora esta cumplicidade não tenha sido punida no tribunal de Nuremberga, muito graças à oposição norte-americana, foi o próprio procurador indicado pelos EUA a realçar que «sem a acção conjunta dos industriais alemães e do partido nazi, Hitler nunca teria tomado o poder na Alemanha, nem o teria consolidado».
2. As democracias ocidentais tentaram travar o nazi-fascismo
Por mais que se procure fazer das potências ocidentais «aliadas» os grandes baluartes da «democracia» contra o totalitarismo nazi-fascista, o qual tantas vezes procuram comparar à União Soviética, a história – a verdadeira e rigorosa – não autoriza esta tese.
As elites dirigentes do Reino Unido e de França procuraram empurrar para Leste a ferocidade do nazi-fascismo, para que este esmagasse a União Soviética: isso foi visível na tolerância – no mínimo – com que permitiram o rearmamento e expansionismo alemães, na entrega da República espanhola ao fascismo, na recusa das inúmeras propostas soviéticas para deter o avanço alemão, no Acordo de Munique, que ditou o desmembramento e ocupação da Checoslováquia. Todos estes acontecimentos ocorreram antes do Pacto Germano-Soviético, assinado já em 1939 e vulgarmente apresentado como evidência de um suposto concluio entre nazi-fascistas e comunistas, mas que na verdade permitiu aos soviéticos ganhar tempo para enfrentar a mais que certa agressão.
Nem a declaração de guerra à Alemanha, em Setembro de 1939, alterou profundamente esta realidade. Apesar da enorme superioridade militar anglo-francesa no continente europeu, não ocorreu qualquer acção militar contra a Alemanha até Maio de 1940, quando as forças nazi-fascistas iniciaram a invasão da Bélgica, Holanda, Luxemburgo e França. Em Nuremberga, Jodl – chefe do Estado maior das forças armadas alemãs (Wehrmacht) – afirmou mesmo que «se nós não fomos derrotados na Polónia em 1939 isso deveu-se apenas a que no Ocidente, no período da campanha polaca, 110 divisões francesas e inglesas se “opuseram” em completa inacção a 25 divisões alemãs». Esta fase ficou conhecida por «estranha guerra».
Determinados em não combater novamente em duas frentes, como foram forçados a fazer na Primeira Guerra Mundial, os alemães decidem atacar primeiro a Ocidente, ocupando com facilidade a França e bombardeando violentamente a Inglaterra, perante a passividade norte-americana. Só então se viram definitivamente para o seu alvo principal, a União Soviética.
3. Os vencedores
A versão holywoodesca sobre o desfecho da Segunda Guerra Mundial confere ao chamado Dia D um papel decisivo, que a história não confirma. Por mais importante que tenha sido, e foi, a abertura da segunda frente na Europa, em Junho de 1944 (com grande atraso face às promessas anglo-americanas), nessa altura já as forças nazi-fascistas se encontravam em retirada, somando derrotas face ao Exército Vermelho, da União Soviética e às forças de resistência popular nos países ocupados.
Para além disso, no momento do desembarque anglo-americano na Normandia, 92% das forças nazi-fascistas combatiam na frente Leste; depois dessa data, por lá continuaram 74% delas. Ou seja, mesmo depois do Dia D, a Alemanha nazi continuou a concentrar o grosso das suas forças no combate ao Exército Vermelho.
Depois de ocuparem quase toda a Europa sem grande dificuldade, foi na União Soviética que os exércitos nazi-fascistas se depararam pela primeira vez com uma efectiva resistência e às portas de Moscovo sofreram a sua primeira derrota em toda a guerra. Na frente leste, contra a URSS, os nazi-fascistas perderam 80 por cento dos seus homens e foram derrotadas 607 divisões, mais do triplo do ocorrido nas frentes do Norte de África, Itália e Europa Ocidental, todas juntas. A defesa de Leninegrado; as vitórias em Stalinegrado e em Kursk; a ofensiva de Inverno de 1944-45 e a batalha de Berlim, que ditou a rendição alemã, foram todas obra das forças soviéticas e, elas sim, foram decisivas para o desfecho do conflito. Dos 50 milhões de vítimas da guerra, mais de metade foram soviéticos.
4. A NATO e a «guerra fria»
A derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial e o papel determinante que nela tiveram as forças democráticas e progressistas fez do pós-guerra um momento de impetuosos avanços a nível mundial.
A correlação de forças no mundo alterou-se em prejuízo do imperialismo; conquistou-se importantes direitos políticos, económicos, sociais e culturais, para muitos inéditos; o movimento de libertação nacional desenvolveu-se e conduziu à independência de numerosos países até então sujeitos ao domínio colonial; a criação das Nações Unidas e a sua Carta instauraram uma nova ordem mundial, fundamentalmente democrática e pacífica.
Nada disto ocorreu por acção dos EUA e dos aliados europeus ocidentais, como se ouve e lê por aí. Muito pelo contrário, aconteceu apesar deles.
Arvorados ao papel de potência dominante no campo imperialista, os EUA lideraram a ofensiva contra este impetuoso movimento libertador: os bombardeamentos nucleares de Hiroxima e Nagasáqui, a ruptura da aliança vencedora da guerra, a imposição da «guerra fria» e a criação da NATO foram alguns dos seus instrumentos. As guerras contra a Coreia e o Vietname, a ingerência em inúmeros países de África e Ásia, a Operação Condor na América Latina, a proliferação de bases militares em todo o mundo e a corrida armamentista contam-se entre os mais evidentes efeitos.
artigo publicado no boletim da URAP nº. 180 de 2025