Maria Velho da Costa uma das escritoras maiores da literatura portuguesa, feminista, antifascistas morreu sábado, dia 23 de Maio, em Lisboa, aos 81 anos.
A sua obra - conto, teatro, mas sobretudo romance como "Maina Mendes" (1969), "Casas Pardas" (1977) e "Myra" (2008) - valeu-lhe vários prémios e condecorações, mas seria com "Novas Cartas Portuguesas" (1971), que escreveu em co-autoria com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta, que iria enfrentar um processo judicial.
Interrogadas por um agente da Polícia Judiciária especializado em processos de prostituição e presentes no Tribunal da Boa Hora, o julgamento teria repercussões em Portugal e no estrangeiro.
O livro, que foi apreendido e proibido logo após a sua publicação, partia das cartas de amor escritas pela religiosa portuguesa Mariana Alcoforado e falava da condição da mulher durante o fascismo, da repressão e da censura do regime, enaltecendo a condição feminina e a liberdade de valores para as mulheres.
A URAP, que lamenta profundamente a morte de Maria Velho da Costa e endereça aos familiares e amigos as suas condolências, homenageia aqui a escritora transcrevendo o texto "Revolução e Mulheres":
Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.
Elas gritaram à vizinha que era fascista.
Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.
Elas vieram para a rua de encarnado.
Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.
Elas gritaram muito.
Elas encheram as ruas de cravos.
Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.
Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.
Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.
Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.
Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.
Elas choraram de verem o pai a guerrear com o filho.
Elas tiveram medo e foram e não foram.
Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.
Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.
Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.
Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.
Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.
Elas disseram à mãe, segure-me aí os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.
Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.
Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão.
Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.
Elas iam e não sabiam para onde, mas que iam.
Elas acendem o lume.
Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.
São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
(Maria Velho da Costa, Cravo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1994)