Intervenção de José Pedro Soares - 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática
1 de Abril de 2023
Caras e caros membros da mesa,
Estimados familiares de democratas aveirenses que hoje homenageamos
Senhoras e senhores autarcas, membros de outras instituições e associações
Representantes do Partido Comunista Português e do Partido Socialista
Caras e caros companheiros e amigos,
Para assinalar os 50 anos do 3.º Congresso da Oposição Democrática, realizado de 4 a 8 de Abril de 1973, na cidade de Aveiro, a URAP decidiu realizar um conjunto de iniciativas, entre as quais este encontro evocativo e já no próximo dia 16 o espetáculo “a Cor da Liberdade”, no Teatro Aveirense.
Há 50 anos, desfeitas as ilusões marcelistas, assistia-se já em todo o país a um ascenso da atividade e da presença do Movimento de Oposição Democrática.
Crescia a contestação ao fascismo, os movimentos de jovens estudantes e de jovens trabalhadores assumiam maior dinâmica.
Era igualmente crescente o envolvimento das mulheres nas atividades da oposição democrática destacando-se a criação do MDM, o Movimento Democrático das Mulheres
No plano laboral, tinha lugar um grande fluxo de lutas reivindicativas nas empresas e em diversos outros sectores profissionais, num processo que levou à criação da Intersindical, em 1970.
Nos quartéis, era igualmente grande o mal-estar pela continuação da guerra colonial. Nesses últimos anos do fascismo ocorreram lutas, protestos contra a degradação das condições nas casernas, da alimentação e muitos jovens até desertavam, recusando partir para a guerra.
Mas a grande maioria dos soldados e oficiais ficaram e acabaram por travar, nas suas unidades, o combate contra a guerra e o fascismo, uma experiência que se veio a revelar de enorme importância, contribuindo assim para a criação das condições e para o êxito da iniciativa militar vitoriosa, no 25 de Abril.
Nesse ano de 1973, apesar do reforço das forças policiais repressivas, das muitas prisões, da continuação da guerra nas colónias, o regime estava mais enfraquecido e internacionalmente mais isolado.
O 3.º Congresso da Oposição Democrática, pelo grande envolvimento e participação de democratas de todo o país, pela abrangência dos assuntos discutidos, pelas suas claras conclusões, contra o poder dos monopólios e dos latifundiários, contra a guerra colonial e o colonialismo, contribuiu para agravar a crise geral do fascismo, alargar a atividade da oposição, reforçando a confiança na luta que se desenvolvia em múltiplas frentes.
Como mais tarde se veio a saber, decorriam já nessa altura reuniões dos jovens militares nos quartéis. Aumentava o descontentamento e a oposição à continuação da guerra e, como bem concluíram, só restava uma solução, a que decidiram realizar, e com êxito: o histórico levantamento militar na manhã do 25 de Abril de 1974.
Alguns militares de Abril, esses companheiros da epopeia libertadora, para quem o país e os portugueses têm uma enorme dívida de gratidão, embora de forma clandestina, também aqui estiveram nesses dias no Congresso.
Sabemos, eles próprios o afirmam, quanto foi importante essa experiência e as conclusões do Congresso, até para a elaboração do programa do MFA, o Movimento das Forças Armadas.
Cinquenta anos depois, e na presença de alguns deles, que nos dão a honra de nos acompanhar nesta cerimónia, pela lucidez, pelo risco que correram e pela coragem demonstrada, aqui lhes prestamos também a nossa reconhecida e eterna homenagem.
Ainda no âmbito desta cerimónia, a URAP dá também hoje a conhecer uma outra iniciativa evocativa do Congresso, coma a publicação do livro, A Caminho do 25 de Abril, já disponível na banca deste nosso encontro e cuja apresentação agora prosseguirá em sessões públicas pelo país.
Trata-se de um livro constituído essencialmente por dezenas de testemunhos de participantes no Congresso, realizado há 50 anos, alguns estarão aqui presentes, a todos aproveitamos para agradecer terem aceite o convite para colaborar nesta edição.
Como é referido em muitos dos seus textos, o 3.º Congresso da Oposição Democrática foi dinamizado em todos os distritos ao longo de meses, e apesar dos cuidados e da vigilância permanentes para evitar a PIDE, foi uma atividade intensa e com elevada participação.
Foi possível, através das muitas reuniões, encontros e contactos elaborar estudos, efetuar inquéritos que depois deram lugar a teses, seguindo-se outras tantas reuniões para a discussão e depois para integrar mais opiniões e novos contributos.
Um processo durante o qual muitas e muitos acabaram por vencer o medo e se envolver também na luta antifascista.
Se os 1.º e o 2.º Congressos Republicanos, realizados em 1957 e em 1969, aqui em Aveiro, já tinham sido passos importantes da resistência e da luta da oposição, sem dúvida, este último, o 3.º Congresso da Oposição Democrática, pela larga unidade democrática alcançada, pelo avançado conteúdo das muitas teses apresentadas, pela discussão e pelas suas conclusões, permitiu um considerável avanço na luta rumo ao 25 de Abril.
A realização deste 3.º Congresso, ao juntar sectores e correntes de diferentes sensibilidades políticas, congregou uma larga unidade dos democratas que depois se prolongou nas eleições de outubro de 1973 e em outros momentos marcantes da luta de resistência antifascista pela liberdade e a democracia.
Compreende-se, por isso, que hoje se lembre e prestemos homenagem aos que já não estando entre nós, nos deixaram o seu exemplo de participação ativa, coragem e determinação.
Entre eles, o que teve papel de relevo na organização dos 1.º e 2.º Congressos Republicanos e que já não pôde participar no Congresso de abril de 1973, referimo-nos ao médico, escritor e ilustre aveirense Mário Sacramento, que na sua carta-testamento nos deixou o comovente repto: «Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!»
Esse foi um tempo em que era preciso correr riscos e vencer o medo.
Tinham já decorrido décadas desde a instalação da ditadura, com o golpe militar de 28 de maio, em 1926. Depois, em 1932/33, chegava Salazar, o fascismo instalava-se, com a sua polícia política, na altura a PVDE, com a criação da vastíssima rede de agentes e informadores espalhados por todo o lado, com a censura, com a Legião e a Mocidade Portuguesa.
O fascismo utilizou inicialmente as cadeias do Aljube, em Lisboa e no Porto, mas logo outras foram criadas, na Fortalezas de Peniche, na Fortaleza de Angra do Heroísmo, depois no Forte de Caxias e a abertura Campo da Morte Lenta, no Tarrafal enquanto as delegações da PIDE disseminavam-se por todo o país.
Parece-nos por isso justo, neste ato evocativo do 3.º Congresso da Oposição democrática, lembrar e homenagear, as sucessivas gerações de antifascistas que denunciaram e combateram o regime opressor.
Deve-se a essa prolongada atividade, a essa luta persistente, a essa consciência antifascista o grande apoio popular aos militares, ao raiar da manhã de 25 de Abril, e depois, na feliz dinâmica Povo-MFA, tão importante para a afirmação da democracia portuguesa.
Esse foi o notável acontecimento que não nos cansamos de evocar, esses dias inesquecíveis do levantamento militar e popular, da felicidade nos rostos, das ruas e praças cheias, das cantigas, dos cravos, das cores e da alegria, do carinho com que eram recebidos e aplaudidos os jovens militares, o início de um processo libertador, de um tempo novo pelo qual os portugueses tanto lutaram.
Um tempo novo pelo qual o povo, os trabalhadores, os jovens, os democratas e os seus movimentos nunca deixaram de lutar, nunca desistindo, erguendo-se uma e outra vez, tenazmente, após cada golpe da repressão fascista.
Por isso a multidão logo ocorreu para junto das cadeias e pôde aplaudir a abertura e a libertação dos antifascistas nelas encarcerados, bem como a rendição dos fascistas, a tomada da sede da PIDE e o fim da censura - numa palavra, respirar a liberdade tão ansiada,
E depois, com mais participação e mais força, exigir o fim da guerra e aplaudir a conquista da independência e a soberania dos povos das antigas colónias.
Foi assim a Revolução de Abril, o processo mais importante, mais avançado e mais belo da nossa história de país independente.
Há 50 anos milhares de democratas de todo o país vieram a Aveiro de carro, à boleia, de comboio, de autocarro. Muitos foram intercetados pela polícia e mandados inverter marcha. Outros fizeram os últimos quilómetros a pé para fugir à vigilância e ao cerco montado pela polícia. Outros, vindos de véspera, dormiram em casa de amigos, em pensões ou em tendas.
Tantos sonhos fervilharam nessas horas, nesses dias, e sempre a esperança que tardava, ainda que tão próximo afinal estivesse.
Mas aconteceu, aconteceu um ano depois, no dia 25 Abril, o dia maior de nossas vidas, e que acreditamos o melhor para os portugueses.
Essa a razão pela qual, daqui a pouco, no final desta cerimónia, iremos realizar o que o fascismo há cinquenta anos proibiu e reprimiu com enorme violência.
Vamos em desfile ao Cemitério Central de Aveiro para prestar homenagem aos democratas aveirenses, organizadores e dinamizadores do 3.º Congresso da Oposição Democrática e dos anteriores 1.º e 2.º Congressos Republicanos, entre os quais Seiça Neves, António Regala, João Sarabando, Manuel Andrade, Flávio Sardo e Mário Sacramento.
Vamos para lembrar o exemplo de suas vidas, das suas corajosas atitudes na luta, e o seu contributo para a conquista da liberdade.
E com esta cerimónia, igualmente lembra, todas e todos que deram sequência às conclusões do Congresso, prosseguindo a luta pelo derrubamento do fascismo.
São vidas e testemunhos que importa dar a conhecer aos que já não passaram pelo tempo do fascismo e da barbárie, e que hoje, usufruindo de seus direitos e liberdade, possam assumir, eles também, os valores democráticos e progressistas de Abril.
Lembrando sempre, que a liberdade, a democracia, os direitos alcançados são como as amizades, têm de ser cuidadas, exercidas e defendidas.
Porque nos dias que correm, são de novo assustadores o domínio e influência dos grandes interesses económicos, os que já foram fortemente combatidos pelos democratas reunidos em Congresso, há 50 anos, aqui na cidade de Aveiro.
Bem sabemos, que embora num tempo bem diferente, as desigualdades, a exploração e pobreza, voltam a acompanhar-nos.
Porque se assiste em numerosos países da Europa e no Mundo, ao preocupante recrudescimento da extrema-direita e de forças fascistas.
O aparecimento de grupos e partidos que se aproveitam do descontentamento, da insegurança, das dificuldades, da falta de resposta aos problemas, para projetar discursos de ódio, afirmarem ideias racistas e xenófobas, projetos reacionários, recorrendo a falsidades e a velhas ideias retrógradas, mesmo fascistas, que pensávamos definitivamente derrotadas.
Nos nossos dias, essa é parte importante, indispensável, do combate democrático, o combate à extrema-direita e a quem agora se serve das liberdades e do regime democrático para os atacar, atacar os avanços históricos, entretanto alcançados.
É muito atual esse desafio que nos é lançado para que hoje e sempre, com a mesma vontade e determinação, travarmos esse combate das ideias, contra os saudosistas, deixando claro que não voltaremos atrás.
Porque o combate à extrema-direita, ao fascismo, contra o belicismo e pela paz, são obrigação, dever cívico, e parte da ativa cidadania de todos os dias.
Nesse sentido, é oportuno evocar a lei fundamental que rege a nossa vida democrática, a Constituição da República Portuguesa, qua amanhã, dia 2 de abril, comemora os seus 47 anos.
Pelos direitos e conquistas democráticas que incorpora, pelo projeto progressista e avançado que representa, essa conquista de Abril que tanto incomoda conservadorismos e velhos interesses é outra grande bandeira do povo que os democratas aqui reunidos há 50 anos já exigiam, e que agora, igualmente nos apela a um largo movimento em sua defesa
Caras amigas, caros amigos,
Com sabemos, aproximam-se as comemorações de mais um aniversário do 25 de Abril e no próximo a celebração dos seus 50 anos.
Na URAP, estamos já, muito envolvidos, em sessões nas escolas, com alunos e professores, e a participar em diversas comissões e iniciativas em numerosos concelhos um pouco por todo o país
Com esse mesmo fim, merece particular destaque a divulgação dos resultados do estudo e pesquisa que há anos a URAP vem realizando nos diversos arquivos da Torre do Tombo para dar a conhecer, um a um, o nome e dados biográficos de todas e todos os ex-presos da PIDE.
Em resultado desse minucioso trabalho, a URAP tem vindo a publicar vários livros, nomeadamente, sobre a Cadeia do Forte de Peniche, sobre os presos e a Cadeia do Forte de São João Baptista, em Angra do Heroísmo; sobre as 1775 mulheres que estiveram nas cadeias do fascismo; e, dentro de dias, um outro sobre a Cadeia do Forte de Caxias, que divulgará, pela primeira vez, os 10.049 nomes até agora registados de homens e mulheres, ex-presos que passaram por aquela cadeia.
Com outras associações, instituições e os portugueses em geral, a URAP inicia assim, um conjunto de iniciativas que entende enquadradas nas comemorações populares dos 50 anos do 25 de Abril.
Comemorações que permitem retirar do esquecimento acontecimentos marcantes da resistência antifascista, as muitas lutas e vidas ceifadas e sacrificadas pela repressão e pelo fascismo e assim valorizar todas e todos os que lutaram e resistiram para que finalmente o fascismo fosse derrotado e alcançada a liberdade
Por isso, em honra do memorável 3.º Congresso da Oposição Democrática, que se realizou há 50 anos, queremos com a mesma força, com todas e todos, continuar a afirmar:
25 de Abril sempre! Fascismo nunca mais!