Intervenção de António Neto Brandão - 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática

Intervenção de António Neto Brandão - 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática
1 de Abri de 2023

O 3.o Congresso da Oposição Democrática, realizado na cidade de Aveiro, de 4 a 8 de Abril de 1973, foi um marco histórico na luta que o povo português vinha travando contra o regime autoritário do «Estado Novo» nascido da insurreição militar de 28 de Maio de 1926.

Concebido a priori com a finalidade de elaborar um diagnóstico crítico da realidade portuguesa, de dinamizar a atividade democrática por todo o país e de definir as linhas de atuação democrática, o 3.o Congresso da Oposição Democrática não só logrou atingir os objetivos que se propusera como veio a constituir, pela ampla participação popular conseguida, pelas repercussões a nível nacional e internacional resultantes, um marco indelével na longa e penosa caminhada do povo português em prol da sua libertação.


Na verdade, as mais de 200 teses apresentadas sobre temas tão diversos como complexos, que iam desde o desenvolvimento económico e social ao urbanismo e habitação, passando pela educação, cultura, juventude, segurança social e saúde, estrutura e transformação das relações de trabalho, organização do Estado e direitos do homem, política internacional, etc., etc. — fruto do estudo, da reflexão e do emprenho de centenas de intelectuais e trabalhadores que ao longo de meses, por todo o país, deram o melhor de si próprios e do seu esforço, constituíram um dos mais sérios contributos que as forças democráticas, durante décadas de ditadura, deram para o equacionar dos males e dos erros de que padecia a sociedade portuguesa.

Tudo isto se fez sem alardes, superando, por vezes de forma estoica, dificuldades e limitações da mais variada índole, desde a perseguição e repressão policiais à escassez de meios, na convicção serena de que se estavam paulatinamente a construir as bases para a edificação do Portugal livre e democrático.
O que movia os democratas que se propuseram e lograram tão ingente tarefa não era a expectativa imediatista da conquista do poder ou muito menos qualquer veleidade de obtenção de benefícios a nível pessoal.

Não os movia qualquer pervertida e (ao tempo) absurda conjetura de carreirismo político. Não. Era antes a pura, generosa e desinteressada entrega à causa nobre da emancipação de um povo, a construção de uma sociedade justa e fraterna, objetivos que hoje a mais deletéria demagogia neoliberal pretende atirar para o sótão da inutilidades como coisas imprestáveis e obsoletas.

E se hoje invocamos esse acontecimento é porque pensamos que muito embora a estruturação de um Estado de direito democrático seja uma consoladora realidade — graças a esse momento imorredoiro da nossa história recente que foi o 25 de Abril —, não é menos verdade que muito do que idealizámos e sonhámos se acha por cumprir.

Pensamos que o assinalar de forma impressiva o 50.o aniversário do 3.o Congresso, para além do natural intuito de festejar um acontecimento que é muito caro a todos quantos nele tiveram ensejo de participar — quem não se honra do seu passado nada espera do futuro —, tem ainda intenção de contribuir para consciencializar as pessoas de que as carências, as injustiças que ainda afectam os portugueses, só podem ser resolvidas pelos próprios, assumindo uma postura de dignidade e de luta intransigente contra os abusos, as prepotências, o conformismo. E também o de chamar a atenção das camadas mais jovens da população para aquilo em que consistia o quotidiano do regime fascista, com o seu cortejo de grandes e pequenas misérias, de grandes e pequenos crimes.

Quem, como os jovens de hoje, acha a liberdade tão natural como o ar que respira, tem dificuldade em imaginar sequer como durante o fascismo o medo inibia as pessoas e atrofiava e estiolava o pensamento; que o simples acesso a determinados livros, discos ou filmes era sistematicamente vedado.

É isto que jamais queremos que volte. Mas para que tal não suceda é bom que não se esqueça esse passado.

Para alguns distraídos parecerá extemporânea esta referência ao perigo fascista quando Portugal é uma democracia política estabilizada com as suas instituições a funcionar regularmente, sem conflitos internos ou sequer agitação social relevante. Só que a própria aparência da normalidade esconde por vezes alguns afloramentos de conflitos de caráter racista e social que, a não serem combatidos ou esvaziados, podem vir a constituir o húmus onde a planta daninha pode enraizar e crescer.

A organização do 3° Congresso da Oposição Democrática em 1973, fruto do esforço esclarecido de centenas de democratas espalhados por todo o país, e cuja contribuição foi decisiva para o êxito alcançado, foi, na sua fase inicial, desde o requerimento ao Governo Civil de Aveiro e depois na própria estruturação do evento, obra de um reduzido número de pessoas — nove no seu todo — que vieram a constituir a Comissão Executiva, eleita em reunião plenária dos democratas do distrito de Aveiro. Desse grupo inicial já partiram Álvaro de Seiça Neves, João Sarabando, Manuel de Andrade, Mário Bastos Rodrigues, Carlos Candal, Joaquim da Silveira, Flávio Sardo e António Regala.

No momento em que celebramos esta data justo é recordar o papel relevante que eles tiveram no seu arranque e consolidação, especialmente Álvaro de Seiça Neves, quando, já corroído por terrível doença, liderava com entusiasmo inexcedível os trabalhos preparatórios, liderança que assumiu sempre com impressionante determinação que galvanizava todos os que com ele privavam. E, se Mário Sacramento, essa figura insigne de democrata e homem de letras, foi o carismático impulsionador do 1.o e 2.o Congressos Republicanos, Álvaro de Seiça Neves foi o dinamizador e principal dirigente da organização do 3.o Congresso.

Mas justo e até imperioso é, também, referir, por respeito à verdade histórica, que nunca teria sido possível ao 3.o Congresso atingir a projeção nacional e internacional que veio a alcançar — e a mobilização de milhares de portugueses convocando-os para a luta política — sem a participação empenhada e ativa de muitos militantes do Partido Comunista Português.

O 3.o Congresso não é obra do PCP. Mas não tenho dúvidas em afirmar que, sem a participação e o empenho dos seus militantes, o 3.o Congresso da Oposição Democrática não teria tido o impacte que teve — uma verdadeira machadada na anquilosada estrutura do regime fascista, abrindo caminho para o 25 de Abril de 1974.

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