Ex.mo Sr. Provedor do Telespectador da RTP
Dr. Paquete de Oliveira
O programa Contra-Informação consegue até ser um dos que se vê com um sorriso. Isto porque o seu formato cultural provém de uma muito antiga e saudável fórmula de crítica: expor ao ridículo o que é criticável.
Mas há formas de expressão do humor crítico que se tornam insuportavelmente inaceitáveis. Por não corresponderem à frase ou imagem que, através do riso, desperta um raciocínio de justa crítica. E pelo contrário, através da fortíssima arma que é a crítica humorística induzirem a uma leitura da imagem que distorce, deturpando em sentido falso o facto a criticar.
Pôr lado a lado as caricaturas de Álvaro Cunhal e Oliveira Salazar, bamboleando-se ao som dos mesmos versos por ambos entoados como se viu no programa da Contra-Informação do passado dia 16, é objectivamente insulto soez à democracia portuguesa.
Mas constitui ainda afronta grave a todos os que, durante sucessivas gerações, se opuseram determinadamente ao regime de Salazar, resistindo às múltiplas formas de perseguição que o fascismo impôs, desde a censura até à prisão e à tortura.
É inaceitável, por ultrapassar o sentido da justeza crítica de qualquer espírito humorístico, pôr lado a lado como se ao mesmo passo estivessem, Álvaro Cunhal e Salazar. É inegável, por qualquer ângulo em que se analise a política nacional, que Álvaro Cunhal foi um destacado resistente antifascista, tendo empenhado a sua vida desde a juventude, na luta contra o regime instituído por Salazar.
A crítica de humor, que se pretende sádia e profunda, não foi neste caso nem certeira, nem informante.
E ofende de forma directa quem - comunista ou não - empenhou a sua vida na resistência ao fascismo.
As marcas deixadas pelo salazarismo na nossa sociedade, de um profundo atraso a todos os níveis, ainda hoje se manifestam entre nós com rastos inevitáveis de um passado que, ainda recente, bem merecia estar já mais distanciado da nossa realidade.
Só uma grave ou leviana incompreensão da História pode levar à convicção de que o 25 de Abril pôs em definitivo Portugal ao abrigo de qualquer regime autoritário ou ditatorial.
Pelos motivos expostos, em nome daqueles a quem o Contra-Informação deve o facto de poder hoje apresentar-se livremente no ecrã com um programa que se quer informativamente recreativo, manifestamos vivamente o protesto pela versão de uma caricatura degradante que lamentavelmente confunde graves traços históricos de um Portugal ainda recente.
Isto não é devido somente aos resistentes antifascistas, mas ainda aos que, pela existência de uma omnipresente censura, se viram privados de tomar facilmente consciência do que realmente se passou no Portugal salazarista.
Lisboa, 2007/02/22
Coordenador do Conselho Directivo da União de Resistentes Antifascistas Portugueses