por António Avelãs Nunes, Professor universitário e Secretário de Estado em governos provisórios (1974-75)
Quem “saltou”, afinal, não foi o PC nem a esquerda militar, foram os paraquedistas. E estes não pretendiam fazer nenhum golpe de estado, nem tomar o poder, nem fazer nenhuma revolução socialista.
Sempre na vanguarda do anticomunismo, Mário Soares defendeu que se tratou de «uma tentativa de golpe, animada pela esquerda militar e pelo PCP». Mas Vasco Lourenço e Franco Charais consideraram o gesto dos paraquedistas uma simples rebelião contra atitudes provocatórias do CEMFA, não uma tentativa de golpe de estado da esquerda revolucionária e/ou do PCP. Pezarat Correia escreveu que, logo no dia 25 de Novembro de 1975, «o contacto com dirigentes partidários o levou à convicção de que o Partido Comunista era alheio aos acontecimentos e às acções militares daquele dia».
Até Carlucci sustentou que a acção dos paraquedistas «resultou, em primeira instância, da posição de Morais da Silva», admitindo que o mal-estar entre os paraquedistas foi «aproveitado pelas forças da extrema-esquerda, com ou sem o apoio do PCP».
Também a CIA admite não estar provado que o PCP tenha encorajado os golpistas a acreditar que podiam contar com o seu apoio, e admite também que o PCP pode «não ter desempenhado um papel directo nas operações».
Hoje sabemos que as operações preparatórias do 25 de Novembro da direita e da extrema-direita começaram muito cedo. Alpoim Calvão diz que «o MDLP resultou de um pedido de ajuda do PS aos spinolistas, a seguir ao 28 de Setembro, para que se criasse uma força que se impusesse ao PCP». E o Gen. Tomé Pinto disse que o 25 de Novembro começou a ser planeado logo a seguir ao 11 de Março. Foi este “plano” que veio a concretizar-se, mas ele não tem nada que ver com a esquerda.
Em Agosto/1975, o Comandante da Região do Centro (membro do Grupo dos Nove) acolheu sob o seu comando vários Comandantes de Unidades da RMN que, numa acção grave de insubordinação, abandonaram os seus postos de comando (porque a RMN comandada por um oficial “inimigo” da esquerda militar); Lemos Ferreira deslocou aviões para o Norte; directamente para Cortegaça foram também 500 paraquedistas acabados de chegar de Angola; cerca de uma semana antes de 25 de Novembro, 123 oficiais paraquedistas que abandonaram a sua Unidade em Tancos e deslocaram-se para Cortegaça, levando consigo sete aviões e três helicópteros.
Tanto quanto sei, o Grupo dos Nove não condenou, então, nenhum destes actos, apesar de Melo Antunes acreditar, então, que aqueles actos de insurreição «escondiam uma operação política de enorme envergadura, que visava o aniquilamento do 25 de Abril». Estranhamente, a esquerda militar continuou a ser, até ao fim, o inimigo principal, deixando-se à solta toda a direita e extrema-direita que estava acobertada atrás do Grupo dos Nove e que pretendia o aniquilamento do 25 de Abril.
Hoje sabemos que PS, PPD e CDS tiveram ligações, ao mais alto nível, com as organizações terroristas que operaram em Portugal no verão quente de 1975. Miguel Carvalho é muito claro: «o PS teve um envolvimento muito grande com a rede bombista e com os seus objectivos. Achou, a determinada altura, que valia tudo para combater o PCP e isso significou, em certo momento, uma cumplicidade com o radicalismo de direita.» Diz mais: «a cumplicidade do PS com a rede bombista está por escrever [“a história foi escrita pelos vencedores do 25 de Novembro, que apagaram aquilo que não lhes convinha.”]».
Hoje sabemos que, pouco antes de 25 de Novembro, Mário Soares se reuniu com James Callaghan, para decidir o que fazer perante «a possibilidade de vir a ocorrer uma tentativa de golpe comunista». E sabemos que deste encontro resultou o chamado Plano Callaghan, que previa a intervenção directa da CIA e do MI6, «no quadro de um plano anglo-americano secreto de resistência civil e militar a um eventual putch comunista». Sabemos que estes planos «tinham a concordância da CIA», que prestaria «um apoio logístico aeronaval aos militares anti-comunistas e às forças democráticas lideradas pelo Partido Socialista». Vasco Gonçalves disse tudo: o que mais me choca nestes tipos é a falta de patriotismo.
Muita coisa andou para trás depois do 25 de Novembro. O Grupo dos Nove acabou por pagar o preço das suas próprias opções: ficou refém da direita e da extrema-direita. Melo Antunes reconheceu, logo no dia 25.11.75, que a «vitória» dos Nove foi «uma vitória de Pirro. Ficámos nas mãos da direita, com a qual tivemos de partilhar os troféus da vitória. (…) A minha preocupação era já salvar o que fosse possível salvar». Creio que foi para salvar o 25 de Abril que Melo Antunes, num gesto de lucidez e de coragem política, foi à RTP, na noite de 26.11.75, fazer a seguinte declaração: «Eu queria dizer neste momento – e considero isto muito importante – que a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável. Não me parece que seja possível, sem o PCP, construir o socialismo. Temos de avançar com ele.»
É hoje inequívoco que o 25 de Novembro da direita fascistoide que queria sangue, muito sangue foi preparado ao milímetro, como mostram a lista de militares (de esquerda) a prender e a lista de jornalistas e outros profissionais de esquerda da comunicação social, expulsos dos seus postos de trabalho, substituídos por gente do PS, do MRPP e da direita. Muitos militares de Abril foram conduzidos, algemados, guardados por militares armados, às prisões de Custóias e de Caxias, pelo menos alguns presos junto com presos de delito comum. Vários deles foram obrigados a manter-se pelo menos uma semana sem tomar banho nem mudar de roupa, sem contactar advogado e sem notícias da família. Muitos jornalistas lutaram mais de dez anos até serem indemnizados, pelos tribunais, pelos danos casados pela justiça de novembro (a justiça dos vencedores).
O Gen. Costa Neves defendeu, não há muito, que «a história da rede bombista de extrema-direita acabou de forma desprestigiante para a Justiça Militar». E acrescenta que «os bombistas eram protegidos por gente poderosa e influente, interessada em evitar a criminalização dos eventuais culpados como forma de se protegerem. (…) Os ideólogos, dirigentes, financiadores, militares e clérigos radicais conseguiram escapar definitivamente às malhas da Justiça. Uns porque nunca foram descobertos, outros porque se acobertaram convenientemente sob a asa protectora do poder político-militar, outros, ainda, porque beneficiaram posteriormente de convenientes amnistias, perdões e indultos», concedidos pelo poder de novembro.
O jornalista Miguel Carvalho advoga igualmente que «alguns dos homens que fizeram o 25 de Novembro estiveram altamente comprometidos com a rede bombista. (…) Institucionalmente, foi dado um perdão com objectivos em alguns casos muito interesseiros, para proteger biografias e percursos». Eu não arrisco opinar sobre quais as biografias nem quais os percursos que se quiseram proteger.
Estes alguns resultados da «vertiginosa recuperação da direita militar», cuja responsabilidade Melo Antunes atribui a Eanes e ao PS, abrindo caminho à nova/velha estrutura militar que desencadeou um processo sistemático de «marginalização e perseguição» contra os Capitães de Abril, incluindo, os elementos do Grupo dos Nove. O ponto alto desta recuperação é a decisão de Eanes (Fev. 1976) de passar compulsivamente à reforma o General Vasco Gonçalves, por «não assegurar o espírito do 25 de Abril». Esta é a certidão de óbito do MFA. Eanes não ficará na História. Vasco Gonçalves ganhou um lugar definitivo na História do Portugal democrático.
Muitos dos «novembristas» ficaram insatisfeitos com os resultados do 25 de Novembro: queriam a eliminação pura e simples do PCP e queriam que Angola não fosse «entregue ao MPLA». Talvez por isso os ataques mais violentos e sanguinários praticados pelos grupos terroristas que estiveram por trás do 25 de Novembro tenham ocorrido posteriormente, sobretudo em Abril/Maio de 1976.
Ao todo, foram 566 acções violentas (24 actos terroristas por mês), que provocaram mais de uma dezena de mortos e muitos mais feridos: assaltaram, saquearam e destruíram sedes do MDP, do PCP e de outras forças de esquerda; atacaram sindicatos e sindicalistas; assaltaram, incendiaram e destruíram à bomba consultórios médicos, escritórios de advogados, residências particulares, cafés, tipografias, automóveis, atearam fogos florestais.
Este é o retrato do 25 de Novembro. O 25 de Novembro não libertou o País de nenhuma ditadura comunista. O 25 de Novembro não estabilizou o regime democrático. O 25 de Novembro pretendia instaurar de novo uma ditadura de tipo fascista. A democracia sobreviveu, apesar do 25 de Novembro, porque o povo português lutou por ela, nas ruas e nos locais de trabalho, tendo conseguido que a Assembleia Constituinte (que a direita quis eliminar desde muito cedo) aprovasse a Constituição da República Portuguesa, imediatamente promulgada pelo Presidente Costa Gomes.
artigo publicado no boletim da URAP nº. 179 de 2024