Intervenção de Alberto Arons de Carvalho - 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática

Intervenção de Alberto Arons de Carvalho - 50 anos do III Congresso da Oposição Democrática
1 de Abril de 2023

É bom que a memória nunca se apague!

Quero agradecer à União de Resistentes Antifascistas Portugueses, promotora desta evocação e homenagem aos que organizaram o 3º Congresso da Oposição Democrática, com qualidade e coragem, pelo contributo decisivo que deram no combate ao regime fascista, que então continuava ditatorial, repressivo, profundamente retrógrado e conservador, mas já fragilizado, sem qualquer legitimidade, apoio popular ou credibilidade.


Mas esta evocação não deve esquecer os promotores e participantes nos dois congressos anteriores, de 1957, organizado por um grupo liderado por Mário Sacramento, que faleceria pouco antes do II Congresso, em 1969, que também ajudara a organizar. E, desta forma, importa homenagear a cidade e o distrito de Aveiro, a coragem física e cívica com que asseguraram a realização destas iniciativas que mobilizaram milhares de portugueses antifascistas de todo o país.

Mas esta sessão comemorativa do 3º Congresso da Oposição Democrática não nos permite apenas homenagear a coragem daqueles que o organizaram e nele intervieram. É nossa obrigação, igualmente, avaliar…. e destacar o acerto com que ele foi politicamente organizado e realizado.

Em primeiro lugar, pela mobilização que promoveu. Estiveram em Aveiro milhares de democratas e antifascistas, representativos de diversas correntes políticas e ideológicas, unidos pelo objetivo de combater e derrubar o regime. Houve tentativas do regime para evitar a presença das pessoas que viajavam para Aveiro. E uma dura repressão sobre os congressistas que queriam homenagear Mário Sacramento. Mas a coragem venceu!

Em segundo lugar, pela sagacidade com que a oposição democrática soube aproveitar a oportunidade para mobilizar milhares de antifascistas que conquistaram um espaço de liberdade para debater as políticas públicas, embora obviamente condicionado pela censura aos órgãos de informação. Num ano em que se realizariam as chamadas “eleições”, o regime tinha de tentar mostrar, nacional e internacionalmente, uma abertura e um espaço de liberdade que não queria conceder às forças da oposição e uma tolerância que não tinha para com opiniões desfavoráveis.

Em terceiro lugar, porque houve uma ampla participação. Mais de 500 pessoas na comissão organizadora. Mais de 4 mil pessoas presentes em Aveiro. 169 teses submetidas ao Congresso, sobre os mais diversos temas políticos, económicos e sociais, antecipadamente entregues e mais tarde publicadas em livro. Vários dias de debate em secções temáticas e em plenários de participantes.

Em quarto lugar, porque essa unidade, visível no consenso que se verificaria na aprovação das conclusões do Congresso, demonstrou que era possível um entendimento entre essas correntes, reforçando a legitimidade e a credibilidade da oposição democrática.

Em quinto lugar, porque esse entendimento, esse consenso iniciaria um percurso trilhado pela oposição na campanha eleitoral de outubro de 1973, fornecendo aos militares que constituiriam o Movimento das Forças Armadas e aos observadores externos, nomeadamente jornalistas de órgãos de comunicação social estrangeiros e a representantes diplomáticos de Estados estrangeiros, a forte convicção de que o regime estava mais isolado e, mais do que isso, havia uma oposição mobilizada, convicta, mas igualmente informada e preparada para o derrubar e substituir. Essas reforçadas credibilidade e legitimidade da oposição democrática foram talvez as maiores conquistas do Congresso de Aveiro. A sua capacidade para definir o quadro legal de um futuro regime e de denunciar os fracassos económicos e sociais do regime de Salazar e de Caetano e de apresentar alternativas consistentes politicamente democráticas, socialmente justas, economicamente viáveis e adequadas. José Medeiros Ferreira, então exilado, sintetizou numa das teses apresentadas ao Congresso, de forma simples, mas eloquente, as prioridades das políticas públicas num então futuro regime democrático: democratizar, descolonizar, desenvolver.

Em sexto lugar, porque os participantes no Congresso não aceitaram tabus, temas proibidos, censura ou autocensura. É verdade que aquilo que a comunicação social conseguiu publicar sobre o Congresso de Aveiro esteve longe de espelhar o que se passou: a coragem de falar sobre os temas proibidos, a mobilização de tantos cidadãos, mesmo limitada pela intervenção policial, o entusiasmo dos participantes, a violenta repressão sobre os manifestantes. A guerra colonial foi um dos temas do Congresso e das suas conclusões. A determinação com que isso foi concretizado poderá mesmo ter contribuído para o que viria a acontecer na campanha – não gosto de a chamar “eleitoral” …- de outubro de 1973: era proibido abordar o tema da guerra colonial, pelo que sempre que isso acontecia, as sessões e os comícios eram interrompidos e dados como terminados pela polícia, como aconteceu em mais do que uma ocasião…

O Congresso da Oposição Democrática de 1973, como aliás os anteriores congressos republicanos, estão entre as iniciativas mais relevantes e influentes na luta contra o regime.

Como sublinhou o Professor Luís Farinha num texto publicado por ocasião da comemoração do 50º aniversário do I Congresso Republicano de Aveiro, de 1957, os três congressos “foram pontos de chegada da oposição democrática com enormes repercussões no futuro: em 1957, abriram-se pistas para a eleição presidencial de Humberto Delgado; em 1969, constituiu-se a Plataforma Comum da Oposição Democrática de S. Pedro de Moel que permitiu a apresentação de listas unitárias da oposição às eleições de Outubro para a Assembleia Nacional; e em 1973, formularam-se as principais teses que estiveram na base do Programa do MFA e da acção de várias forças políticas a seguir ao 25 de Abril”


O 3º Congresso, que hoje comemoramos, ensinou-nos que é sempre possível ambicionar e lutar por uma sociedade mais livre, equitativa e justa. Mas também que a liberdade e a democracia nunca estão definitivamente adquiridas ou conquistadas. As conquistas de Abril, as conquistas que se seguiram a Abril - porque há sempre novos desafios para as políticas públicas… - não serão eternos se os cidadãos, todos os cidadãos desistirem de combater pela liberdade.
É bom que a memória não se apague…

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