A ditadura militar, iniciada com o 28 de Maio de 1926, fez de Portugal um país sob ocupação militar e policial e instalou em Portugal o regime que iria configurar-se como fascista.
A situação criada com a supressão das liberdades cívicas impunha aos partidos políticos opções fundamentais.
Os partidos existentes (como o Partido Republicano e o Partido Democrático) não resistiram a esse condicionamento e desapareceram praticamente como organizações políticas. O Partido Socialista auto-dissolveu-se em 1934, declarando não haver possibilidade de actividade política, só se reconstituindo em 1973.
A organização e a continuidade da luta política ou reivindicativa exigiam que ela se baseasse em estruturas capazes de não serem imediatamente destruídas e os seus participantes presos pela acção da polícia do regime e seus informadores, a que o povo chamava "bufos". O PCP criou isso a que se chamou «normas conspirativas», cumpridas com uma rigorosa disciplina. Com essas medidas pôde manter uma acção política estável, uma estruturação que abrangia sectores fundamentais do país, estruturas organizativas defendidas, com unidade de orientação e direcção, apoiadas em suportes logísticos clandestinos essenciais: instalações, tipografias, imprensa clandestina, sistemas de ligação e transportes.
As primeiras lutas contra a ditadura
Em 18 de Janeiro de 1934 o movimento sindical promove uma jornada nacional contra a lei de criação dos sindicatos fascistas, que assume carácter insurreccional na Marinha Grande. Em Setembro de 1939 a organização comunista ORA (Organização Revolucionária da Armada) promove a «revolta dos marinheiros», em que os navios Afonso de Albuquerque e Dão tentam forçar a barra do Tejo para se juntarem à luta da República espanhola contra a insurreição fascista de Franco, apoiada por Hitler, Mussolini e Salazar.
Desenvolveu-se em Portugal um grande movimento de solidariedade ao povo espanhol.
Mas subestimaram-se as insuficiências dos métodos de defesa numa tão severa clandestinidade. Às debilidades do trabalho clandestino somou-se o agravamento da repressão fascista, estimulada pelo ascenso do fascismo na Europa. Muitos dirigentes e militantes comunistas, assim como militantes sindicalistas, anarquistas e participantes do movimento do 18 de Janeiro e da revolta dos marinheiros, são enviados para o Campo de Concentração do Tarrafal, aberto em 1937, nos moldes dos campos nazis, e de onde 42 dos deportados não regressaram vivos.
O regime e a sua política
O fascismo salazarista não se caracterizou somente pelos seus métodos de terror, repressão e cinismo. Esses métodos não resultaram duma crueldade gratuita dos servidores do "Estado Novo". Tinham como objectivo principal permitir a aplicação de uma política que atingia cruelmente a esmagadora maioria do povo português, e só pelo terror podia ser imposta.
O factor luta de massas
A prioridade dada à luta de massas como base fundamental da luta antifascista e à importância da classe operária como base principal da organização, assegurou uma sólida base de apoio popular activo à luta antifascista, à sua continuidade, coesão e eficácia.
Teve também importância decisiva a orientação unitária imprimida à luta antifascista. Era em função dos interesses próprios e objectivos concretos que se fazia a organização e a mobilização dos trabalhadores, com um conceito dinâmico de unidade, que se alargou também à luta política. E esse conceito marcou profundamente toda uma cultura política portuguesa.
As viragens dos anos 40
A ditadura em Portugal, terminada a fascização do Estado, estava no apogeu do seu poder.
A guerra civil espanhola terminara com a derrota da República e a instauração da ditadura de Franco. O terror fascista parecia ir ganhar todo o mundo Os exércitos nazis tinham varrido e ocupado a Europa ocidental, chegavam aos Pirinéus e avançavam até às portas de Moscovo. O Japão militarista conquistava o Oriente.
Registavam-se, entretanto, importantes transformações na vida económica e social do país.
A guerra dera origem a grandes manobras de especulação, tanto no país como com os países em guerra, mas estimulara também a produção nacional de substituição. Surgem importantes concentrações industriais (principalmente à volta de Lisboa e na Margem Sul).
Foram condições que levaram ao crescimento da classe operária e a alterações na sua composição, com a criação de sectores industriais mais modernos (indústria química, metalurgia, metalo-mecânica, construção naval) e ao ascenso de uma classe operária mais activa, tanto no plano social como no plano político. Foi importante a orientação de trabalhar nos sindicatos «nacionais», apesar da sua estruturação fascista, aproveitando-os como base para ligação aos trabalhadores. Desenvolveram-se outras formas de ligação, não só através da organização do Partido (células de empresa, organização nos locais de trabalho) como em estruturas unitárias (comissões de trabalhadores nas empresas).
Na primeira metade dos anos 40 já havia condições para se desenvolverem grandes lutas dos trabalhadores.
O ponto de viragem na situação regista-se em 1942, com a vaga de greves na região de Lisboa e arredores que o regime enfrenta com grande dificuldade. Em Julho/Agosto de 1942 o movimento grevista atinge grandes proporções. Participam na luta 50 mil trabalhadores, a quase totalidade dos operários industriais da região de Lisboa e da Margem Sul. Apesar da repressão as lutas não pararam. A classe operária de Lisboa e do Baixo Ribatejo trava grandes lutas em Maio de 1944.
A unidade antifascista
O desenvolvimento da luta das classes trabalhadoras criou uma nova situação no quadro da luta contra o regime fascista.
Quando se inicia a guerra de 1939/45 as forças antifascistas encontravam-se divididas, dispersas, sem acordos nem acção comum.
Foi importante a orientação de trabalhar nos sindicatos «nacionais», apesar da sua estruturação fascista, aproveitando-os como base para ligação aos trabalhadores. Desenvolveram-se outras formas de ligação, não só através da organização do PCP (células de empresa, organização nos locais de trabalho) como em estruturas unitárias (comissões de trabalhadores nas empresas).
Foi sob o impacto das grandes greves operárias de Julho/Agosto de 1942 e Outubro/Novembro de 1943, que se constituiu, em Dezembro de 1943, na clandestinidade, o Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista, que teve como Presidente Norton de Matos e contou na sua composição com mais de 40 membros, conseguindo unir praticamente todos os sectores da oposição antifascista.
A linha unitária adquiriu uma larga base de massas e foi uma das mais valiosas realizações do movimento antifascista português.
Em 1943/44, com a viragem registada na guerra e depois, no final da guerra, com a derrota do nazifascismo deu-se o grande salto para uma situação favorável ao desenvolvimento da luta antifascista no plano político.
Aproveitando em profundidade as manobras pseudo-democráticas de Salazar para salvar o regime, o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista) lançou um vastíssimo e dinâmico movimento político de massas, que impôs temporariamente uma expressão legal e semi-legal, o Movimento de Unidade Democrática (MUD), que, nos anos seguintes (fazendo frente à repressão), promoveu uma intensa actuação política.
Saem à luz do dia amplos movimentos unitários antifascistas. A Oposição pela primeira vez trava batalha no terreno eleitoral da ditadura (1945). Em 1949 a campanha eleitoral de Norton de Matos é sustentada por uma vigorosa acção política de massas.
Mas a guerra fria deu a mão a Salazar e reflectiu-se em quebras na unidade antifascista. Portugal entra para a NATO, a repressão agudiza-se no país.
A unidade antisalazarista sobrevive no MND (Movimento Nacional Democrático) após as rupturas induzidas pela guerra fria, tem novos afloramentos na campanha de Humberto Delgado em 1958, quando as campanhas eleitorais de Arlindo Vicente e Humberto Delgado, fundindo-se finalmente na deste último, alcançaram o entendimento e a acção comum de praticamente todos os sectores democráticos.
A amplitude e o vigor demonstrados pela campanha de Humberto Delgado, colocando abertamente a demissão de Salazar e ganhando um poderoso apoio popular, lançaram o regime numa crise de que não veio a recompor-se. Começou aí a sua agonia.
As lutas de 1962
Papel importante, para o desenvolvimento da luta antifascista, foi, em 1962, a comemoração do 1º de Maio, com grandes manifestações populares da classe operária e dos trabalhadores em geral, em resposta aos apelos, difundidos em mais de um milhão de panfletos e manifestos distribuídos por todo o país e difundidos através da Rádio Portugal Livre, criada em Março de 1962 como novo instrumento da luta antifascista.
Sob o impulso dessas lutas a unidade reafirma-se em 1963 na FPLN (Frente Patriótica de Libertação Nacional) e nas Juntas Patrióticas, e renasce, já no tempo de Caetano, com a CDE (Coligação Democrática Eleitoral) e os Congressos da Oposição Democrática de Aveiro, numa linha de acção que desemboca no 25 de Abril.
Condições da unidade
A unidade estabelecida na luta antifascista não excluía, antes implicava não apenas diferenças de opinião mas também diferentes programas e objectivos, contradições e polémicas, mesmo rupturas.
Importante foi que, em momentos decisivos, se tivessem obtido convergências à volta do objectivo comum: conquistar a liberdade, instaurar um regime democrático.
Era porém inevitável que a diferença de pontos de vista entre sectores sociais e políticos tão diversos não se reflectisse em contradições no processo de unidade.
As diferenças mais sérias diziam respeito a quatro principais questões: a natureza do regime salazarista, as formas de luta, o papel do imperialismo estrangeiro sobre Portugal, e o direito dos povos das colónias portuguesas à autodeterminação e independência.
Mas talvez nenhuma outra questão tenha suscitado tão profundas divergências como esta: como derrubar a ditadura.
Antes da II Guerra Mundial, enquanto a efectiva hegemonia da resistência coube a círculos republicanos vindos da República de 1910, a ideia predominante era a de que o único caminho seria um putch.
Algumas tentativas, das quais a principal foi logo em 7 de Fevereiro de 1927, foram dominadas militarmente. Depuradas as forças armadas pela ditadura, a ideia do golpe militar passou, em muitos casos, a ser pretexto para justificar e defender a passividade de sectores antifascistas, aos quais faltava determinação, organização e mesmo coragem para travar a luta e enfrentar dia a dia a repressão.
No após guerra surgiram ideias de que os Aliados ocidentais, e em especial a Inglaterra com a vitória dos trabalhistas, imporiam a saída de Salazar, que não ocultara a sua simpatia e apoio ao nazi-fascismo. Esqueciam que Salazar, nos últimos anos da guerra, ante as derrotas de Hitler na frente Leste, negociara a sua sobrevivência com esses aliados, que já então preparavam os alinhamentos da guerra fria.
Nos últimos anos do fascismo surgiram duas tendências que criaram factores negativos para a unidade dos antifascistas: por um lado as tendências para um compromisso com o regime com vista à sua "liberalização", e ilusões voltadas para os "dissidentes" e, por outro lado, um verbalismo radical pseudo-revolucionário, apregoando a acção directa e o terrorismo com vista a uma revolução imediata que apelidavam de proletária e socialista.
Apesar porém dessas dificuldades, em numerosos aspectos houve acções paralelas e acções convergentes.
A caracterização da natureza do regime, a composição e os interesses das várias camadas da sociedade portuguesa e a salvaguarda do interesse nacional foram a base da política de unidade antifascista.
A definição do regime fascista como uma ditadura terrorista do grande capital monopolista e dos grandes agrários, em associação com o capital estrangeiro, apontava ao povo português, como via para o seu derrubamento, um levantamento nacional, com o apoio da grande maioria do povo português e a participação de uma parte das forças armadas, necessária dada a natureza do regime, fortemente apoiado na força das armas.
Foi tendo em conta a caracterização do regime como ditadura terrorista do capital monopolista e dos agrários que se definiu a política de alianças sociais e de unidade nacional antifascista e se fez do desenvolvimento da luta popular de massas a base principal para o derrubamento da ditadura.
As guerras coloniais
O início das guerras coloniais, no seguimento do levantamento de 4 de Fevereiro de 1962 em Luanda, abriu uma nova frente de luta contra o regime salazarista.
O governo salazarista lançou-se em força na guerra em África e desencadeou uma grande campanha chauvinista à volta do problema colonial, acusando de traição à Pátria quem não apoiasse as suas posições colonialistas. Essa atitude intimidou muitos democratas, mantendo-os em posições de passividade, mesmo quando contrários aos crimes do fascismo colonialista. Durante muitos anos o PCP foi a única força política que no país lutou contra a guerra colonial, contra o envio de soldados para África, contra os crimes do exército colonial e da PIDE em África.
Ao mesmo tempo desenvolveu formas concretas de luta contra o aparelho militar da guerra e de solidariedade aos movimentos de libertação, quer no plano internacional, quer directamente. Organizou a fuga de Agostinho Neto de Portugal, onde estava sob liberdade vigiada. E militantes comunistas organizados na ARA, Acção Revolucionária Armada, conduziram espectaculares acções contra a Base de Tancos, destruindo 17 helicópteros destinados à guerra colonial, e contra o navio de transporte militar Cunene.
Com o passar dos anos sem que o governo fascista conseguisse esmagar as lutas de libertação, foi-se desenvolvendo a resistência e a luta contra a guerra colonial. No plano internacional aumentava também o isolamento e desmascaramento do regime, incluindo na ONU, num quadro mundial favorável aos movimentos de libertação e com o apoio dos países não alinhados e dos países socialistas.
Uma das formas de rejeição massiva da guerra colonial foi a deserção ou fuga ao serviço militar de muitas dezenas de milhar de jovens, anualmente.
Por outro lado, o contacto e o relacionamento dos militares do quadro com os jovens milicianos que chegavam às forças armadas tendo já um elevado grau de consciência política foi sem dúvida um dos factores que esteve na origem da tomada de consciência dos capitães que criaram o MFA.
O caetanismo e a crise do regime
A saída de Salazar do poder depois da sua incapacitação, acelerou a agonia do regime fascista.
Salazar deixava o país numa grave situação, em que se acumulavam problemas insanáveis para o seu regime. O agravamento da situação económica e social, as consequências das guerras coloniais, a amplitude do descontentamento e da luta contra o regime em várias frentes, a redução das suas bases de apoio, tanto no plano nacional como internacional, levavam a divisões, conflitos, deserções e confrontos no próprio campo social, político, institucional e militar da ditadura.
As inquietações e a busca de soluções para as dificuldades do regime manifestavam-se nos próprios círculos económicos do capital mais ligados ao regime, inquietos com a degradação da situação social, o desenvolvimento da luta das classes trabalhadoras e da influência comunista. Alguns inclinavam-se para o campo dos "liberalizantes". A maioria alinhava com os ultras.
A manobra da demagogia liberalizante de Marcelo Caetano colheu no entanto em sectores da Oposição, virados para uma conciliação com o regime. Chamaram à manobra "um raio de esperança para o nosso povo", elogiaram um "clima novo, de renovação e de esperança" "que só merecia aplausos", consideravam a política de Caetano "a única possível", "uma saída pacífica", "uma transição inteligente e gradual".
Sectores socialistas de direita aconselhavam a cessação das actividades clandestinas e da luta popular por "assustarem os liberalizantes" e por "prejudicarem a liberalização". Recusavam acções unitárias com o mesmo pretexto.
Sectores do radicalismo esquerdista, pela sua parte, deram à manobra fascista uma interpretação semelhante à dos oportunistas de direita. Para eles, o fascismo acabara. O fascismo estaria concedendo a liberdade sindical e tentando instaurar um "sistema parlamentar". Outros diziam que nada mudara e que o regime continuava como dantes. Outros ainda, clamavam pelo imediato desencadeamento da insurreição, o lançamento de acções armadas, de acções terroristas.
Desde a primeira hora, contra a manobra demagógica de Caetano foi importante a decisão de actuar nos sindicatos «nacionais», apesar da sua estruturação fascista, aproveitando-os como base para ligação aos trabalhadores. Desenvolveram-se outras formas de ligação, não só através da organização do Partido (células de empresa, organização nos locais de trabalho) como em estruturas unitárias (comissões de trabalhadores nas empresas).como uma «demagogia liberalizante» destinada a salvar o regime e a prosseguir o salazarismo sem Salazar. Ao mesmo tempo assinalou que essa manobra era devida ao enfraquecimento do regime e ao agravamento da sua crise e, por isso, devia ser aproveitada para a intensificação da luta em todas as frentes, respondendo à manobra com a intensificação da luta de massas. Essa caracterização da política de Caetano e esse apelo foram amplamente compreendidos e apoiados.
A política de Caetano rapidamente se confirmou como de salazarismo sem Salazar. As lutas romperam das mais variadas frentes. E o quadro político rapidamente mudou.
O movimento democrático aproveitou as farsas eleitorais fascistas para desencadear grandes campanhas de esclarecimento político de massas e de combate ao regime fascista e à guerra colonial, os trabalhadores intensificaram a sua luta reivindicativa, lançaram-se ao assalto dos sindicatos fascistas impondo direcções da sua confiança e criaram a Intersindical, os estudantes fizeram das universidades campos entrincheirados antifascistas, os militares em África recusavam fazer acções de guerra.
As lutas dos trabalhadores e dos estudantes, o alastramento da luta às forças armadas, a desorientação dos homens do regime, encostaram o governo de Caetano à parede.
O aparecimento de uma nova força na luta contra o governo fascista, o MFA, alterou radicalmente a correlação de forças.
E o 25 de Abril aconteceu.
A luta antifascista depois de Abril
O Movimento dos Capitães de Abril e o levantamento militar que o apoiou, seguido pelo levantamento popular, deram o golpe de morte ao regime fascista, derrubando o seu governo.
Cabia agora aos democratas e ao povo estabelecer os contornos e conteúdos da democracia, na situação de liberdade que o MFA criou e assegurou.
O general Spínola, logo nos primeiros discursos, demonstrou não pretender tocar nos suportes sociais e económicos que tinham sido os mentores, suportes e beneficiários do regime fascista, como querer mesmo manter estruturas do aparelho de Estado criadas especialmente para servir e impor esses interesses, como a PIDE/DGS. Cedo demonstrou que o seu desígnio era realizar a manobra que Caetano não conseguira realizar, aplicando uma espécie de «caetanismo sem Marcelo Caetano».
Foi o povo, nessa associação a que foi dada a brilhante designação de Aliança Povo/MFA que implantou as liberdades democráticas e, com a criatividade de um processo revolucionário, lançou as bases de uma democracia avançada. Com vertentes políticas, sociais, económicas e culturais.
Aurélio Santos