Caros amigos e amigas:
Estimadas companheiras e companheiros:

 

Saudando esta oportuna iniciativa da URAP e saudando sobretudo a vossa presença interessada, permitam-me algumas palavras sobre o contexto, características e significado do 3º Congresso da Oposição Democrática realizado faz agora 45 anos nesta cidade de Aveiro de tão fortes e antigas tradições liberais.

 

Mas com o honesto aviso de que estas palavras não têm a pretensão de vos trazer uma abordagem nova, mais profunda ou radicalmente diferente das que já foram feitas em anteriores evocações desta importante efeméride mas antes o modesto propósito de recordar aos mais velhos o que já ouviram há bastante tempo e propiciar aos mais novos porventura um primeiro contacto com algumas informações e análises sobre esta grande realização política da oposição antifascista em Portugal.

 

Assim sendo, talvez caiba dizer, mesmo a 45 anos de distância, que o êxito singular e as enormes repercusssões do 3º Congresso da Oposição Democrática não podem ser vistos como um acontecimento isolado ou um feito que se hipervaloriza para deslustrar outros.

 

Antes é preciso lembrar que o 3º Congresso foi tributário dos I e II Congressos Republicanos de 1957 e 1968, realizados com as caracteristicas possíveis em concretas e anteriores conjunturas políticas, e que, ainda de forma mais geral, o 3º Congresso é inseparável de todo o processo de luta antifascista durante 48 anos, um processo que conheceu êxitos memoráveis e luminosos mas também longos períodos de amargura, de ásperas dificuldades, de derrotas sombrias mas que nunca fizeram secar o sangue da esperança e diluir o espírito de combate de milhares de democratas.

 

E é neste contexto relativo aos nexos e continuidades da história que, entre tantos outros prestigiados nomes, cumpre lembrar e homenagear a figura de Mário Sacramento, grande obreiro do I e II Congressos Republicanos, grande personalidade da cultura e intelectualidade portuguesas, um humanista exemplar, um democrata de ideais e convicções avançadas em que o amor da liberdade e da democracia se articulava coerentemente com projectos e compromissos de transformação e progressos sociais, ao serviço da causa maior de um mundo melhor que alías nas suas palavras de despedida nos pediu para fazer.

 

Mesmo à distância de 45 anos, justifica-se lembrar que o 3º Congresso da Oposição Democrática se realiza em 1973, isto é num momento em que a manobra demagógica de falsa liberalização lançada por Marcelo Caetano em 1968 (e não «a primavera marcelista», como alguns equivocadamente acreditaram) já se encontrava profundamente desgastada e desacreditada por dezenas de factos, acontecimentos e decisões que testemunhavam a continuidade no essencial da ditadura fascista e a que se somava o cada vez mais evidente atoleiro da guerra colonial em três frentes africanas.


Apenas para dar, de uma longa lista, dois exemplos, a operação de cosmética levou a que o regime rebaptizasse a PIDE de DGS mas nem por isso acabaram a perseguição aos antifascistas, as prisões arbitrárias, as torturas, a bufaria, a aposta no medo como instrumento de controlo político e de defesa do regime, as longas penas de prisão e as medidas de segurança aplicadas aos valentes e intrépidos prisioneiros de Peniche e de Caxias.

 

O regime também mudou o nome à Comissão de Censura rebaptizando-a de Comisssão de Exame Prévio mas nem um só dia o lápis azul deixou de funcionar vigilantemente na sua feroz cruzada contra a verdade, a realidade e a liberdade de expressão e de opinião na comunicação social.

 

Os democratas que organizaram e construiram o 3º Congresso da Oposição Democrática tinham perfeita consciência de que a sua autorização em ano de «eleições» (com aspas) era vista pelo regime como uma importante oportunidade para, designadamente perante a opinião pública internacional, dar a imagem de um país onde a oposição afinal se reunia e discutia livremente até com um ligeiro afrouxamento da censura à iniciativa.

 

A tal ponto isto era assim que são conhecidos os esforços do regime para mobilizar jornalistas estrangeiros que depois seriam sujeitos a briefings prévios no SNI.

 

Sabemos todos como esta manobra foi derrotada pelos democratas reunidos no Congresso, desde logo pela rejeição pela sua Comissão Executiva de numerosas limitações que o governo, através do governador civil, quis impor.

 

E sobretudo pela corajosa decisão tomada pela Comissão Nacional do Congresso na madrugada de 8 de Abril de, apesar da sua expressa proibição, manter a prevista romagem ao túmulo de Mário Sacramento que, em imagens que correram o mundo, viria a ser objecto de uma selvática e brutal repressão sobre a qual se poderá dizer que ela representou a todos os títulos o definitivo, arrasador e inapelável dobre de finados da demagogia liberalizante.

 

O isolamento político da ditadura fascista não foi obra do acaso, não está escrito nas estrelas, nem foi a mera sequência de erros do regime.


Esse isolamento, que andou de par com o seu endurecimento, que se tornar-se-ia tão expressamente patente durante a farsa eleitoral de Outubro seguinte, farsa marcada por novas restrições e enormes violências (algumas das quais o regime nunca antes tinha usado nos seus anteriores 47 anos de existência, como a proibição do uso da palavra em comícios de não candidatos, a proibição de candidatos de um distrito irem falar a comícios em outros distritos e, por fim, a 12 dias, do começo da campanha, a publicação do decreto que estabeleceu que todos os candidatos e membros de comissões eleitorais que desistissem da ida às urnas seriam julgados e condenados à perda de direitos políticos, o que levou a que estimados companheiros advogados, que não os de Aveiro, de vários distritos desistissem apresentar listas.

 

Não, não e não. Por mim, e por falta de criatividade minha, sempre que se trata de encontrar uma imagem simplificada que sintetize este processo de isolamento político da ditadura, volto sempre à ideia de que, onde o fascismo abria uma frincha de 5 centímetros na porta da sua fortaleza, os democratas não ficavam sentados à espera que a frincha passasse a ser de 10 cm., antes metiam logo o pé, a seguir se pudessem metiam a cabeça, sempre com o inabalável intuito de fazer passar o corpo todo e tomar e derrubar a fortaleza.

 

Mas a 45 anos de distância, merece em especial ser recordada, valorizada e homenageada a exemplar e fraterna unidade dos principais sectores e correntes políticas democráticas, com destaque para comunistas, socialistas, católicos progressistas, democratas independentes e algumas personalidades ainda ligadas ao republicanismo histórico, afirmada no 3º Congresso da Oposição Democrática e depois coerentemente prolongada na combativa intervenção na farsa eleitoral de Outubro de 1973.

 

Mas como não se trata de valorizar a unidade pela unidade, forçoso é sublinhar e enfatizar que se tratou de uma unidade em torno de um firme propósito de caminhar para o derrubamento do fascismo por um processo global de lutas e, ao mesmo tempo, em torno do que talvez tenha sido a plataforma programática mais avançada e progressista de toda a história dos movimentos de unidade antifascista, como entre outros exemplos, ficou expresso pelas referências aos direitos e interesses dos trabalhadores, à luta contra os monopólios e pelo fim da guerra colonial com o reconhecimento do direito dos povos coloniais à independência.

 

Isso mesmo ficou consagrado na Declaração final do 3º Congresso mas essas distintivas marcas de água já estavam nas primeiras palavras lidas por Álvaro Seiça Neves na sessão inaugural do Congresso na mensagem enviada do seu exílio forçado no Brasil pelo Prof. Ruy Luis Gomes, eleito Presidente de Honra do Congresso : «"Profundamente sensibilizado convite presidir Congresso saúdo companheiros consciente da importância deste Congresso para objectivos centrais nossa luta liberdades democráticas povo português independência povos coloniais declaro aberta a sessão " .

 

Mesmo à distância de 45 anos, e perante as conhecidas críticas que, passadas décadas, alguns participantes então de extrema – esquerda continuam a fazer, importa relembrar que a expressão 3º Congresso da Oposição Democrática não queria dizer uma espécie de Assembleia Geral ou RGA – Reunião Geral de Antifascistas –género ad-hoc ou tudo ao molho e fé em Deus mas sim que, muito mais do que as condições permitiram ao I e II Congressos, era uma emanação directa das estruturas organizadas das CDE's distritais quer quanto aos seus objectivos políticos quer quanto às formas de organização, que incluia imperativamente uma inteira liberdade de opinião para os participantes,o que só foi possível graças à lucidez, espírito solidário e empenhada concordância dos democratas de Aveiro, designadamente dos membros da Comissão Executiva que desenvolveram um labor extraordinário e digno da maior admiração e gratidão.

 

Ao longo destes últimos 45 anos, de vez em quando lá aparece, em vozes muito isoladas, a crítica ou piada enenosa de que, abre aspas , «que grande Congresso foi aquele que até não conseguiu prever o papel dos militares no tão próximo derrubamento da ditadura!» . A esta crítica pode e deve responder-se de uma forma simples e frontal : em primeiro lugar, o 3º Congresso era um congresso que reunia democratas e combatentes antifascistas e não um congresso de videntes, bruxos ou adivinhadores (sendo de lembrar que o movimento dos capitães só começou em Agosto desse ano !); em segundo lugar, o 3º Congresso só podia ter como objectivo mobilizar os democratas para a luta e influenciar a opinião pública e não propriamente dizer aos democratas que podiam suspender a sua luta e ir tratar das suas vidas porque era de prever que os militares resolvessem sozinhos o assunto; em terceiro lugar é minha opinião que mesmo que na altura do Congresso, ou seja em Abril de 1973, já soubéssemos sobre o movimento dos capitães o que viríamos a saber com mais nitidez em Outubro/Novembro desse ano, ainda assim qualquer referência aos militares nas Conclusões finais do 3º Congresso teria de ser extraordinariamente discreta e vaga para não atrair as atenções e fazer soar as campainhas da PIDE e do regime.

 

Mesmo à distância de 45 anos, é justo referir que o 3º Congresso se debruçou sobre um amplíssimo leque de problemas e sectores da vida nacional na base de centenas de teses ou comunicações , muitas delas colectivas (incluindo uma dos presos políticos em Caxias) e muitas delas- crucial novidade – elaboradas e apresentadas por grupos de trabalhadores e contou com uma larga, generosa e entusiástica participação da juventude, uma e outra coisa inseparáveis do ascenso das lutas democráticas, populares, de trabalhadores e estudantis que se vinham registando desde 1969 na base de uma orientação política audaciosa criativa consistente e determinada que, como está hoje testemunhado e comprovado pelos próprios, viria a exercer uma importante influência na formação da consciência democrática dos «capitães de Abril».

 

Nesse sentido, o 3º Congresso e depois a durissima batalha eleitoral travada em Outubro de 1973 puseram em nítido destaque e evidência naõ apenas que o movimento democrático no seu conjunto dispunha de uma valiosa e diversificada massa crítica sobre os mais importantes problemas da nação mas também de uma base de apoio consciente e altamente politizada formada por milhares de quadros e activistas que, após a explosão do 25 de Abril, sem necessidade de grandes manuais de instruções, estavam preparados para realizar com êxito, como realizaram, o que então chamávamos de grandes tarefas de democratização da vida nacional.
Assegurando designadamente não apenas a desfascização das estruturas do Estado mas garantindo também o assumir de funções e responsabilidades que, ponto muito importante, permitiram assegurar uma relativa mas valiosa normalidade e eficácia na regular administração pública e condução dos assuntos de Estado embora num quadro, não de «transição» como alguns erradamente insistem, mas de assumida ruptura com o regime derrubado e com as suas instituições.

 

Hoje, mesmo à distância de 45 anos, pode ser muito saboroso e provocar rasgados sorrisos fazer algumas referências à forma com a imprensa do regime acusou o toque, ou melhor dizendo a estocada, do 3ª Congresso da Oposição Democrática. O jornal «A Época» clamava que «O verdadeiro símbolo do congresso, demagógico, violento e falhado está nas seis navalhas abandonadas pelas manifestantes na precipitação da fuga" e que (...) "Sabe-se que é hábito dos esquerdistas em todo o mundo colocarem mulheres e crianças à testa das manifestações, no deliberado propósito de fabricarem «mártires». Por sua vez, o « Diário de Notícias» sentenciava que «"Tal como o tempo, a última semana política registou temperaturas acima do normal. O Congresso de Aveiro, o contraponto dos atentados dinamitistas do Porto, a agitação estudantil mormente nas capitais do Norte e do Centro do país, trouxeram à amenidade do nosso clima perturbações não desejadas. ». Já o «Correio do Minho (propriedade da ANP) choramingava que «Lemos algures que um dos aspectos novos deste Congresso está no recrutamento da juventude estudantil e operária. Ora que novidade ! - Foi para esses meios que os órgãos destiladores de venenos, fizeram convergir os veios da droga moderna. A luta contra o poder constituído e, de modo especial, contra a nossa defesa do Ultramar. » E em «A Capital» o pretensamente liberal Manuel José Homem de Mello debitava que «Acresce que a escolha, para presidente, de um individuo internacionalmente conhecido pela sua constante solidariedade com os inimigos do país, não poderá deixar de ser considerado como autêntico desafio à compreensão e abertura manifestadas pelas autoridades.» E opinava que os congressistas «(...) porque, utilizando a fraseologia dos mais encarniçados inimigos do País, ofenderam, com o maior despudor, os que, galharda e heroicamente, se batem pela continuidade da presença lusíada em terras portuguesas de África.»


E, numa frase que depois de Abril viria a conhecer outras declinações, terminaa proclamando que «O que o País deseja é progresso e desenvolvimento. Trabalho e eficácia. Para tanto carece de tranquilidade. Nas ruas e nos espíritos."

 

E porque se não somos de amarrar alguém para sempre ao seu passado mas também somos contra as amnésias convenientes e as reescritas da história, talvez valha a pena referir serenamente que, também à época, um jovem turco do regime, que estaria destinado a altos voos na democracia , logo correu a escrever a Marcelo Caetano aplaudindo com ambas as mãos o teor da sua conversa em família sobre o 3º Congresso e alinhando em insinuações sobre o alegado controlo do Congresso por uma determinada força política.
Caros amigos e caras amigas :


Os valores da resistência antifascista não são uma peça de museu que alguns de nós, de tempos a tempos, visitamos com um olhar emocionado.

 

Na verdade, por força do próprio curso da história do país e das nossas vidas, os valores de Abril têm como antepassado histórico e imediato os grandes valores da resistência antifascista que os tempos e realizações exaltantes da Revolução de Abril actualizaram, alargaram e enriqueceram extraordinariamente.

 

E que, ainda hoje, passados 44 anos estão plasmados na Constituição da República e têm um inapagável lugar na memória, na consciência e na coração dos portugueses, com marcas admiráveis em largos sectores das novas gerações.

 

E, por fim, não haja nenhuma confusão, esta iniciativa comemorativa do 3º Congresso da Oposição Democrática e a nossa presença aqui não é nenhuma romagem ou peregrinação de saudade, até porque, além do mais, para saudades não haveria propriamente motivos.

 

É que a maioria dos que aqui viemos e aqui estivemos de 4 a 8 de Abril de há 45 anos pretende honrar a memória de um marco maior da resistência antifascista e de um momento muito importante nas suas vidas mas são cidadãos e cidadãs que tiveram a felicidade de fazer, viver e construir a revolução de Abril, com os seus conflitos e asperezas é certo, mas também e sobretudo com os seus tempos exaltantes e incomparáveis de generosidade individual e colectiva, de ânsia de justiça e progresso social, de fim da guerra e de conquista da paz e da liberdade de outros povos, de elevados padrões éticos de desinteresse pessoal, fraternidade, honestidade e alto sentido de defesa e prioridade ao interesse público e às aspirações populares.

 

E cada um à sua maneira como é próprio da liberdade, aqui continuamos sem que a idade de muitos de nós faça vacilar o nosso compromisso com a liberdade e a democracia ou esmoreça a nossa atenção e compromisso com os problemas e desafios do presente e do futuro da nossa pátria e da humanidade.

 

Muito obrigado.

 

Vítor Dias

7 de Abril de 2018

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É natural que ainda hoje nos interroguemos porque foi em Aveiro que se realizaram os Congressos da Oposição Democrática, três momentos altos da luta contra a ditadura.


Certo é que a cidade de Aveiro durante anos foi conhecida como o "Berço da Liberdade", por aqui ter irrompido a Revolução de 1828, barbaramente reprimida pelos governantes absolutistas. Bastará lembrar que o Desembargador Gravito, e outros três chefes revoltosos, foram condenados à forca no Porto e mandados decapitar, sendo as cabeças pregadas no alto de um poste e expostas nas suas terras de origem. O centenário da Revolução foi luzidamente celebrado já depois do golpe militar de 28 de Maio, que abriu caminho à ditadura fascista.


Pouco antes da Revolta do 31 de Janeiro, foi erigida, por subscrição pública, a estátua de José Estêvão, combatente destemido do Cerco do Porto e, depois, eloquente e desassombrado tribuno parlamentar, que recebeu durante décadas múltiplas homenagens. Excepto a que os democratas de Aveiro lhe quiseram prestar, com a criação de uma Casa-Museu, que foi proibida pelo Governo Civil. Mas, em muitos anos, era naquela estátua que os resistentes anti-fascistas iam depor uma coroa de flores.


Poderá reconhecer-se, por isso, a existência de uma certa tradição liberal, no que esta palavra então significava de liberdade, emancipação e progresso, e que permaneceu na memória de sucessivas gerações. Mas isto não explica por que se realizou, a meio daqueles sombrios anos 50, num tempo de ferocidade repressiva, de divisões na Oposição, em parte por reflexos da Guerra Fria, de verborreia anti-comunista do governo de Salazar, seus epígonos e serventuários, o 1º Congresso Republicano.


Durou apenas um dia, mas foi uma proeza. A PIDE andava por perto, ameaçava e atacou até uma tipografia onde se compunham materiais. A figura tutelar foi o Professor António Luís Gomes, antigo ministro da República, pai de outra figura notável, o Prof. Ruy Luís Gomes, professor universitário emérito, que teve a alegria de regressar do exílio brasileiro pouco depois do 25 de Abril.


Os temas dominantes foram o da restauração das liberdades democráticas, dos direitos políticos denegados aos portugueses, mas tímidas as abordagens sociais.


Do 1º Congresso como do 2º, o principal organizador foi Mário Sacramento. Era um democrata de têmpera, médico, escritor, pensador marxista, seis vezes preso pela Pide, morreu cedo, com 48 anos, amargurado com quatro décadas de ditadura, a impunidade da polícia política, as torpezas da censura. Muitos lembram a última frase, com melancólica ironia, da sua Carta-testamento: "façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá".
Mário sabia, como poucos, estabelecer pontes, construir a unidade entre os democratas, condição necessária para o derrubamento do fascismo. Associava a tolerância, de saber ouvir e dialogar, de entender as diferenças de opinião, à intransigência nos valores e nos princípios de democrata e humanista.


Mário pertenceu a uma geração admirável de democratas aveirenses, gente séria, corajosa, determinada, generosa com os mais frágeis, solidária com os perseguidos, atenta aos mais velhos, acolhedora dos mais jovens, combativa sem esmorecimentos pela liberdade e o progresso, sempre encontrando no Povo o motivo, a causa e a razão da luta. Tantos podia lembrar, mas aqui deixo alguns nomes que me são mais queridos, como o de Álvaro Neves, Armando Seabra, João Sarabando, Costa e Melo, José Gouveia, Mário Sacramento.


O 2º Congresso, a cujo Secretariado tive a honra de pertencer, realizou-se em Maio de 69, ainda pairavam altas as ilusões da falsa primavera marcelista. As suas Conclusões reflectem um novo patamar de compreensão da natureza do Regime. Já não se reclamava apenas a instauração das liberdades, exigia-se também o fim dos monopólios. Estava já adquirido que a democracia política era inseparável de profundas transformações económicas e sociais, pois o ponto que levou mais horas de discussão no Secretariado, que funcionava no escritório do Dr. Carlos Candal, não foi esse, mas o referente à guerra de África. Foi no limite de tempo que se chegou a acordo sobre a versão final.


O grande contributo do 2º Congresso foi a afirmação da unidade de todas as correntes democráticas, e a existência duma platatorma por todos assumida.


Vale a pena dizer, conforme se pode verificar na documentação existente na Torre do Tombo, que a PIDE seguiu a par e passo a preparação do Congresso. Aliás, não faltaram as intimidações e as devassas.


Do 3ºCongresso iremos ouvir falar por quem o viveu mais de perto. Apenas deixo duas notas:


- a primeira, para sublinhar que os seus trabalhos reflectem uma evolução no entendimento da luta contra a ditadura, da qual já não se admite a possibilidade de qualquer regeneração do Regime, antes se colocando com clareza a questão da ruptura no plano de Estado;


- a segunda, para referir que são muitos os testemunhos de militares de Abril que reconhecem no 3º Congresso uma fonte inspiradora do Programa do MFA. Recordo vários escritos de Melo Antunes, Pezarat Correia ou Duran Clemente. Este oficial foi um daqueles que assistiu ao Congresso, se indignou com a carga policial e depois escreveu um texto que circulou pelas Unidades militares.


A tradição de luta como "berço da liberdade" contou, certamente, mas os três Congressos de Aveiro, marcos relevantes da luta contra a ditadura, devem-se no essencial ao paciente, corajoso e perseverante trabalho unitário desenvolvido por Mário Sacramento e pelos outros democratas aveirenses. Merecem bem a nossa homenagem e que atentemos no seu exemplo, nos tempos de hoje, quando crescem as ameaças à paz e o perigo de guerras em grande escala, quando o fascismo volta a crescer na Europa, no continente americano, no Brasil, com velhos e novos enganos, velhas e novas máscaras.


A luta pela paz e pela democracia nunca termina, todos os dias recomeça e se renova.


Jorge Sarabando

Aveiro, 7 de Abril de 2018

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Em nome do Conselho Directivo da URAP agradeço a vossa presença. Embora tivéssemos tentado enviar convites a todos os membros da Comissão Nacional do congresso, não nos foi possível por desconhecimento dos contactos.


Agradeço também a disponibilidade e apoio da Câmara Municipal de Aveiro, e da União de Freguesias de Glória e Vera Cruz, e a todos aqueles que, das mais diversas formas, contribuíram para o êxito desta Sessão e da Exposição que, a seguir, iremos visitar.
Saúdo o Núcleo da URAP de Aveiro por ter tomado em mãos esta bela Iniciativa.


De uma forma muito sentida, agradeço os depoimentos dos membros da Comissão Executiva do 3º. Congresso da Oposição Democrática, Drs. Flávio Sardo, Neto Brandão e António Regala, bem como a presença dos familiares dos companheiros que já não se encontram entre nós.


Estamos a comemorar o 45º. Aniversário do 3º. Congresso da Oposição Democrática, acontecimento maior na luta contra o fascismo e cujas repercussões já aqui foram lembradas por Jorge Sarabando e Vítor Dias.


Deste acontecimento, de que poderemos tirar muitos ensinamentos, destaca-se vivamente a sua grande dimensão unitária. Em unidade se lutou contra o fascismo, em unidade se lutou contra a guerra colonial, em unidade se lutou pela Liberdade.


Hoje, embora numa realidade diferente, precisamos muito da unidade de todos os democratas para que não esmoreça a consciência antifascista perante os enormes perigos com que o mundo está confrontado.


Vivemos uma situação internacional marcada por uma grande instabilidade e incerteza, com a acumulação de tensões e perigos de guerra em várias regiões do Mundo.


Na Europa, a crescente votação em 2017 em partidos nacionalistas, populistas (fascistas encapotados) e de extrema direita em países como a Áustria, França, Holanda, Alemanha, República Checa e, mais recentemente a Itália, é preocupante.


Tanto mais que, já em 2014 e 2015, a extrema-direita tinha ocupado lugares nos parlamentos de países como a Hungria, Suécia, Suíça, Grécia, Polónia, Dinamarca, Bélgica e Eslovénia.


Com diferenças e até contradições entre si, estas forças aproveitam-se do desgaste de partidos que têm estado no poder, nomeadamente sociais-democratas, que não resolveram os graves problemas dos seus países, antes os agravaram com o crescimento do desemprego e da pobreza, criando na maioria dos jovens a ideia de um futuro sem perspectivas e sem esperança.


É preocupante verificarmos que a extrema-direita tem hoje uma influência de que já não dispunha desde 1945, com a agravante de não existir a União Soviética cujo papel na derrota do nazi-fascismo é inapagável.


Entretanto, são de saudar os povos da América Latina que prosseguem a luta pela democracia ameaçada, os seus direitos e soberania, como é o caso da Argentina, Honduras, Colômbia, Venezuela e Brasil.


Brasil, onde se assiste à condenação à prisão de Lula da Silva com a recusa do Habeas Corpus interposto no Supremo Tribunal, na sequência de um verdadeiro golpe de Estado.


Em Cuba, continua a luta pelo fim do embargo económico, comercial e financeiro que se iniciou em Outubro de 1960 e que em várias Sessões da ONU foi rejeitado pela maioria dos países.


Também na Palestina, onde não são cumpridas as Resoluções da ONU, continua o massacre aquele povo que resiste e não desiste da luta pela sua pátria.


Portugal, nos seus quase 900 anos de história, precisa da unidade dos democratas e patriotas para defender a sua soberania e afirmar na Europa e no Mundo uma política de paz e cooperação, na qual se destaca o respeito pela Carta das Nações Unidas.
Vou agora falar-vos um pouco da actividade da URAP. Destacamos em 2015 as comemorações do fim da II Guerra Mundial em que, com a Tocha da Paz e da Liberdade da FIR – Federação Internacional de Resistentes, a que pertencemos, percorremos muitos pontos do país.


Pelos 80 anos da Guerra Civil de Espanha, lembrámos Guernica, o seu povo mártir, em várias sessões – que vamos continuar a realizar. A convite dos companheiros do País Basco, interviemos em Bruxelas, numa cerimónia no Parlamento Europeu.


Conseguimos, com a nossa luta e com a de todos os democratas que nos acompanharam, que o Forte de Peniche, símbolo da repressão, onde tanto se sofreu e onde tanto se lutou, não fosse transformado numa Pousada de luxo, mas sim num verdadeiro Museu da Liberdade e da Resistência. O livro sobre o Forte de
Peniche, sobre a sua história e com o nome de todos os presos, numa investigação feita pela URAP e pela Câmara Municipal de Peniche, vai na 3ª edição e tem sido apresentado em várias sessões por todo o país.


Pelo 25 de Abril, temos participado, e vamos continuar a participar, em sessões em escolas, com a colaboração de professores e de Câmaras Municipais. As manifestações populares são momentos altos em que apelamos à participação de todos os democratas, para que fique bem claro que o Povo Português não quer voltar ao passado dos tempos negros do fascismo.


Por considerarmos nosso dever não deixar esquecer os que lutaram por um Portugal melhor, uma delegação da URAP visitou o Tarrafal, em Abril de 2009, e interveio num Simpósio Internacional, em Cabo Verde. Visitou, na Ilha Terceira, os Fortes de S. João Baptista e S. Sebastião, "O Castelinho", locais de que se fala muito pouco e que, no entanto, foram lugares onde o fascismo prendeu e torturou valorosos democratas e resistentes que abnegadamente o combatiam.


Conseguimos o levantamento de todos os nomes dos presos que estiveram naqueles sinistros locais e, à semelhança do livro de Peniche, temos previsto, em conjunto com a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, com quem temos um Protocolo firmado,
apresentar, em Setembro, uma brochura que denuncie tudo o que ali se passou para que a memória não se apague.


A URAP, herdeira da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, tem lutado contra o branqueamento do fascismo e alertando para os perigos da demagogia e do populismo.


É preocupante a campanha diária contra os partidos políticos que, em última análise, transporta consigo não apenas o perigo do populismo, mas concepções e práticas fascizantes que não podem passar em claro.


É tarefa de todos os democratas dar combate a tais concepções e trazer para a intervenção política o interesse e a motivação genuína em responder aos problemas e anseios dos portugueses. Intervenção que tem na constituição da República Portuguesa, na Constituição de Abril, os elementos de referência e os instrumentos capazes de defender a liberdade, a democracia e o progresso social.


Numa sociedade como aquela em que vivemos, cujos principais órgãos de comunicação social estão tomados pelos grandes interesses económicos e em que quase não há espaço para as vozes que se apresentam fora do pensamento dominante, a URAP continuará a intervir contra o esquecimento dos homens e mulheres que,pelo seu amor à Liberdade e ao seu Povo perderam anos das suas vidas nas prisões e muitos a própria vida. Para além deste importante trabalho de combate à revisão da História, tem tido activa participação na luta pela democracia, pela solidariedade para com os povos e pela Paz, de que é exemplo a participação no "Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes" e a integração da Plataforma "Pela Paz e Desarmamento" e pelo fim das armas nucleares.


Tal como os membros dirigentes do III Congresso da Oposição Democrática, que aqui homenageamos, e que com coragem e determinação enfrentaram o fascismo, também nós hoje, em unidade, defenderemos a Liberdade e a Democracia conquistada e aprofundada pela Revolução de Abril.

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Intervenção de Encerramento da Assembleia de 24 de Março de 2018
Marília Villaverde Cabral

 

Queridos Amigos,


Estamos quase a encerrar a Assembleia e acho que podemos dizer que foi uma boa reunião, que ficámos a conhecer melhor a actividade da URAP, dos seus Núcleos e os seus projectos.


Antes do nosso Presidente encerrar a Assembleia, deixo-vos aqui algumas poucas palavras sobre a situação nacional e internacional.
A situação internacional é marcada por uma grande instabilidade e incerteza, com a acumulação de tensões e perigos de guerra em várias regiões do Mundo.


Na Europa, a crescente votação em 2017 em partidos nacionalistas, populistas (fascistas encapotados) e abertamente fascistas em países como a Áustria, França, Holanda, Alemanha, República Checa e, mais recentemente a Itália, é preocupante.


Tanto mais que, já em 2014 e 2015, a extrema-direita tinha ocupado lugares nos parlamentos de países como a Hungria, a Suécia, Suíça, Grécia, Polónia, Dinamarca, Bélgica e Eslovénia.


Com diferenças e até contradições entre si, estas forças aproveitam-se do desgaste de partidos que têm estado no poder, nomeadamente sociais-democratas, que não resolveram os graves problemas dos seus países, antes os agravaram com o crescimento do desemprego e da pobreza, criando na maioria dos jovens a ideia de um futuro sem perspectivas e sem esperança.


É preocupante verificarmos que a extrema-direita tem hoje uma influência de que já não dispunha desde 1945, com a agravante de não existir a União Soviética e o movimento operário organizado estar a viver um período de grande refluxo.


Entretanto, são de saudar os povos da América Latina que prosseguem a luta pela democracia ameaçada, os seus direitos e soberania, como é o caso da Argentina, Honduras, Colômbia, Brasil e Venezuela.


Em Cuba, continua a luta pelo fim do embargo económico, comercial e financeiro que se iniciou em Outubro de 1960.


Sobre todas estas questões da situação internacional e, nomeadamente, o ascenso do fascismo, chamo a vossa atenção para o artigo do nosso companheiro Vargas que irá sair no próximo Boletim.


Quanto ao nosso País, embora tenhamos dado, nos últimos tempos, passos positivos, são preocupantes as situações que dizem respeito às Leis do Trabalho, à precariedade, ao público-privado na saúde e noutros sectores, ao desmantelamento e destruição dos correios e de outras empresas. As amarras à União Europeia e às suas directrizes são um travão ao nosso desenvolvimento. Não está a ser fácil o rompimento com a política de direita que tanto tem prejudicado os nossos interesses como País soberano. Só a luta, o seu desenvolvimento, conseguirá travar estar política de submissão aos grandes interesses instalados.


Apesar das dificuldades, dos recuos, dos perigos, lembrando Aurélio Santos, que nos deixou este ano, dizemos como ele: Confiamos na força dos trabalhadores, nos povos, na pessoa humana, no crescimento da consciência de que a humanidade precisa de paz e de um desenvolvimento mais harmonioso, mais justo e mais humano, em todo o planeta.

 

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A URAP foi fundada a 30 de Abril de 1976, reunindo nas suas fileiras um largo núcleo de antifascistas com intervenção destacada durante a ditadura fascista. Mas a sua luta antifascista vem de mais longe.
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União de Resistentes Antifascistas Portugueses - Av. João Paulo II, lote 540 – 2D Loja 2, Bairro do Condado, Marvila,1950-157, Lisboa