Intervenção de Ana Pato nas comemorações do 25 de Abril em Setúbal
Exma. Sra. Presidente da Câmara
Municipal de Setúbal
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia
Municipal de Setúbal,
Caros amigos,
Recebam em nome da União de
Resistentes Antifascistas Portugueses as mais calorosas saudações.
Comemoramos hoje 38
anos sobre a data em que o povo português se libertou da ditadura
fascista. Durante 48 anos essa ditadura condenou Portugal aos tempos
mais negros da sua história. Mas, a tamanha violência sobre si
cometida, o povo português soube responder com coragem e dignidade e
foi obreiro de uma das mais bonitas e originais revoluções. Com a
Revolução do 25 de Abril, o povo português alcançou as mais
profundas conquistas democráticas.
A
Revolução de 1974 foi uma das maiores realizações históricas do
povo português e de impacto internacional. Conforme afirma a
Constituição da República Portuguesa de 1976, uma das mais
avançadas da Europa Ocidental, «libertar Portugal da ditadura, da
opressão e do colonialismo representou uma transformação
revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade
portuguesa». Ela constituiu uma realização da vontade do povo, uma
afirmação de liberdade, de emancipação social e de independência
nacional. A Revolução de Abril foi obra que o povo construiu na rua
e nela a juventude foi força presente e viva.
Interpretando
os mais profundos anseios do povo português, os jovens capitães de
Abril, com a sua acção determinada e corajosa, derrubaram o governo
fascista já desgastado por longos anos de resistência e luta. Esta
acção foi determinante. Mas a Revolução, em toda a sua amplitude,
foi o resultado do imediato levantamento popular e da conjugação da
acção de massas e das forças armadas consubstanciada na aliança
povo - MFA. Não foi nas instituições de poder político que se
fez a Revolução. Todas as conquistas foram ganhas na rua pelo povo
que se mobilizou para a defesa dos seus interesses.
Assim
foram feitas as nacionalizações de vários sectores estratégicos e
se levou a cabo o controlo operário em muitas empresas. Assim se fez
a Reforma Agrária nos campos do sul do país, sob a palavra de ordem
«A terra a quem a trabalha», que acabou com o latifúndio e as
terras improdutivas. Nunca se produzira tanto em Portugal.
Os
trabalhadores viram reconhecido o seu papel social na produção
alcançando conquistas no plano do direito do trabalho. A liberdade
sindical, o direito à greve, a contratação colectiva, o salário
mínimo nacional, o direito à segurança social, a subsídio de
desemprego e a férias pagas são apenas alguns exemplos.
A
educação e a cultura passam a ser tidas como um direito e como um
factor fundamental na construção de uma sociedade democrática. O
combate à sua elitização e a luta pela sua democratização foram
tarefas fundamentais do processo revolucionário, contribuindo assim
para a elevação do nível cultural da população portuguesa. É
estabelecido o princípio da gratuitidade progressiva de todos os
graus de ensino. Também a saúde e a habitação passam a ser
consideradas direitos inalienáveis do povo português.
O fim
da guerra colonial foi outra enorme conquista do 25 de Abril e da
juventude portuguesa. Mais nenhum soldado português foi enviado para
uma guerra injusta e sanguinária. A libertação de Portugal do
fascismo trouxe também a liberdade e a soberania aos povos oprimidos
pelo regime. A luta de libertação destes povos foi, por sua vez, um
contributo inestimável para a aquisição de consciência política
da juventude portuguesa.
A
Revolução de Abril instaurou liberdades democráticas fundamentais:
instituiu a liberdade sindical e de organização dos trabalhadores,
instituiu a democracia política, liquidou o capitalismo monopolista
de Estado, criou condições para a realização de profundas
transformações económicas, sociais e culturais, consagrou
legalmente e promoveu a igualdade de direitos do homem e da mulher e
os direitos dos jovens, promoveu o melhoramento das condições de
vida do povo.
Porém,
todo este processo revolucionário foi, desde o primeiro momento,
marcado por inúmeras contradições. O grande capital, o
imperialismo e as forças fascistas procuraram impedir a dinâmica
revolucionária através de golpes militares e através da tentativa
de estrangulamento económico da nova democracia. Em causa estava o
objectivo de recuperação dos privilégios que os grandes grupos
económicos tinham no tempo do fascismo: a posse privada dos
principais meios de produção e a apropriação privada dos lucros,
o aumento da exploração e a mercantilização de funções sociais
do Estado.
Passados
38 anos sobre uma das maiores realizações do povo português que
conquistou com as suas próprias forças o direito à liberdade de
expressão, de reunião, e de sindicalização; que conquistou o
direito ao trabalho com direitos, o direito ao descanso e ao lazer, à
cultura e ao desporto; que conquistou o direito a ter acesso à
saúde, à educação, o direito a uma reforma digna, o direito à
habitação, passados 38 anos,
-
os
salários e as reformas são cortados (o povo nunca foi tão
explorado e nunca esteve tão pobre desde 1974)
-
há
trabalhadores com contratos de trabalho semanais e mesmo diários e
jornadas de trabalho de 12 horas (assim, mal se pode falar de
direito ao descanso e ao lazer)
-
passados
38 anos, assistimos à destruição do serviço nacional de saúde
(não se pode falar de direito à saúde quando o hospital está a
50km de distância; não se pode falar do direito à vida quando se
morre de frio, de fome, de falta de medicação, de falta de
assistência)
-
passados
38 anos, é aprovada uma lei das rendas a bem dos interesses da
especulação imobiliária (não se pode falar de direito à
habitação quando os idosos são despejados e os jovens não
conseguem sair de casa dos pais)
-
passados
38 anos, os jovens abandonam a universidade porque não têm
dinheiro para as propinas (assim não se pode falar do direito à
educação para todos)
A
lista podia continuar. O que interessa salientar é que nem a
liberdade, nem a democracia são conceitos abstractos ou palavras
decorativas: elas têm conteúdos bem concretos e determinados. E que
estão a tentar fazer é deixar as palavras e a levar o conteúdo.
Nós
não podemos esquecer: a ditadura fascista oprimiu, censurou,
prendeu, torturou, matou. Mas se tais ofensas à liberdade e
dignidade humanas eram praticadas, havia razões objectivas para que
tal acontecesse. É que, pela sua própria natureza, o fascismo foi o
regime executor de determinadas políticas que não encontravam
condições para ser aplicadas a não ser pela força. De facto, a
ditadura fascista, utilizando a força coerciva do Estado, promoveu a
centralização e concentração de capitais entregando para as mãos
dos grandes grupos monopolistas a posse e a direcção de todos os
sectores fundamentais da economia nacional. E foi à custa da mais
brutal exploração do povo português e dos povos das colónias, à
custa da sua miséria, que estes grupos puderam acumular enormes
fortunas.
Sem
dúvida que, desde o primeiro momento, o regime de Salazar e Caetano
contou com oposição e com a luta do povo pela conquista dos seus
direitos e da sua liberdade. As lutas nos campos e nas fábricas, a
luta pela jornada de trabalho de 8 horas, as greves e manifestações
contra a carestia de vida, as crises académicas, as eleições
presidenciais de 1958 foram momentos, entre muitos outros, em que o
combate à ditadura e às suas políticas se tornaram bem visíveis.
Mas, para que estas vozes se fizessem ouvir, havia outros que, pela
calada, organizavam a resistência. E em todas estas lutas é justo
destacar o papel desempenhado por todos os democratas antifascistas
que não renunciaram e se entregaram, de forma abnegada, à luta pela
liberdade pagando, por vezes, com a própria vida.
A
União de Resistentes Antifascistas Portugueses é a união desses
homens, mulheres e jovens que combateram a ditadura fascista. Mas é
também a união de todos os homens, mulheres e jovens que hoje
defendem a liberdade e a democracia com a mesma convicção com que
outros o fizeram no passado. Por isso, comemorar o 25 de Abril não é
responder a nenhum ímpeto saudosista, mas sim defender hoje os
valores e as conquistas de Abril.
Com a
Revolução dos Cravos, o povo conquistou um direito que foi sempre
seu: o direito a resistir.
Por
isso, comemorar Abril é defender o direito ao trabalho e ao trabalho
com direitos; é combater a precariedade e o trabalho gratuito; é
defender salários e reformas dignas.
Comemorar
Abril é defender a liberdade de expressão, de organização, de
manifestação.
Comemorar
Abril é defender a saúde, a segurança social e a educação para
todos.
Comemorar
Abril é defender é também defender o Poder Local Democrático.
Caros
amigos,
A
mesma vontade que levou o povo português a combater o fascismo nos
negros anos da ditadura, é a mesma vontade que nos leva hoje a
defender as liberdades e direitos democráticos, políticos, sociais
e económicos. E a mesma confiança que tínhamos no derrube da
ditadura, por mais longo que fosse o processo, é a mesma confiança
que depositamos na luta actual do povo português e a mesma certeza
de que isto pode mudar assim o povo o queira.
Viva o
25 de Abril!
25 de Abril de 2012