Homenagem aos que não se renderam

Estamos aqui para prestar homenagem àqueles que, no Campo de Concentração do Tarrafal, morreram por terem ousado lutar pela liberdade em Portugal numa altura em que a maré negra do fascismo avançava pela Europa com a arrogância de uma força que parecia invencível.

Concebido nos moldes dos campos de concentração que Hitler começava então a criar na Alemanha e depois alargou pela Europa ocupada, foi também um exemplo da sinistra hipocrisia que caracterizou a repressão salazarista.

Montado na Achada Grande do Tarrafal, a zona mais temida pela gente de Cabo Verde, não precisava de ter as sinistras câmaras de gás. Na ilha que o mar guardava melhor que o arame farpado e as armas dos carcereiros, o mosquito foi um executor discreto que espalhava o paludismo. A falta de tratamento e de medicamentos asseguravam a execução, através da morte lenta, com as biliosas que iam ceifando vidas.

Na História de Portugal o Tarrafal ficará como uma das mais brutais e cruéis expressões da repressão terrorista da ditadura fascista de Salazar

O nazi-fascismo foi a expressão da mais grave ameaça que nesses anos pesou sobre a humanidade.

Na Segunda Guerra Mundial não esteve apenas em questão a luta por uma nova repartição do mundo entre as grandes potências.

A guerra, a luta contra o nazi fascismo, foi uma gigantesca luta que abarcou questões fundamentais no plano económico, social e ideológico com repercussões em todo o futuro da sociedade humana.

Aqueles que morreram, sofreram e lutaram no Tarrafal tiveram a coragem de fazer frente a essa maré negra que parecia imparável.

Não se renderam.

Não aceitaram como imbatíveis, inevitáveis, os «ventos da História.

Mesmo quando lançados para o Campo da Morte Lenta.

 

O próprio director do Campo não escondia os objectivos que o Tarrafal visava. «Quem vem para aqui vem para morrer» - afirmava ele para que todos os presos soubessem a que estavam destinados.

Mas não foi só no Tarrafal que actuou a repressão terrorista do fascismo. O Tarrafal não chegava para albergar todos os que se levantavam contra o regime. A ditadura criou toda uma rede carcerária por onde passaram, antes e depois do Tarrafal, milhares de presos políticos: a Fortaleza d S. João Baptista, nos Açores, a cadeia do Aljube, em Lisboa e o Forte de Caxias, o Forte de Peniche, as cadeias da Rua do Heroísmo, junto à sede da PIDE no Porto - para além da sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde a maioria dos presos eram submetidos a dias seguidos de interrogatório e tortura, e onde alguns foram mesmo torturados até à morte.

Está ainda por fazer a exacta estatística de crimes de morte cometidos pela PIDE. Como também os que foram assassinados com a tortura refinada evitando deixar marca. Pelos muitos anos de cárcere ou pela morte lenta no Tarrafal.

No cemitério do Tarrafal ficaram enterrados os corpos de 32 dos prisioneiros políticos portugueses, que ali morreram vítimas dos maus-tratos sofridos.

Só depois do 25 de Abril foi possível trazer de regresso os seus corpos para terra portuguesa.

Em 1978, numa grande homenagem nacional, promovida pelos sobreviventes do Tarrafal, e na qual participaram dezena de milhar de pessoas, os corpos dos prisioneiros que ali morreram foram transladados para este Mausoléu Memorial erigido por subscrição pública no Cemitério do Alto de S. João, actualmente guardado pela URAP como património nacional, e no qual estão inscritos os nomes daqueles que o fascismo salazarista matou no Campo de Concentração do Tarrafal.

Mas nós não estamos aqui somente para prestar homenagem a estes antifascistas que deram a sua vida para que a Liberdade pudesse voltar a florescer na terra portuguesa.

Estamos aqui, também, para reafirmar a nossa decisão de lutar para arrancar as sementes e raízes deixadas em Portugal por meio século de ditadura fascista, a mais longa da Europa.

Ainda hoje se manifestam as marcas do obscurantismo com que ela dominou a cultura portuguesa e do atraso que deixou nas estruturas da nossa sociedade.

É pois com profunda preocupação que nós, resistentes e antifascistas reunidos na URAP, vemos emergir na sociedade portuguesa, 30 anos após a instauração da democracia, inquietantes campanhas de branqueamento da ditadura fascista, dos seus crimes e das suas políticas, tentativas de reabilitação dos seus responsáveis e mentores, a par do apagamento do significado e valores da luta antifascista e da memória daqueles que lutaram para que fosse livre o terreno que hoje pisamos.

Não pode deixar de nos alertar a insidiosa campanha em curso de branqueamento das ditaduras fascistas e falseamento da memória da luta antifascista. Em muitos países da Europa assiste-se ao avanço de forças de direita e também ao crescimento de grupos neo-nazis.

O fascismo não é um fenómeno histórico com referência exclusiva a uma determinada conjuntura. Tem raízes sociais e económicas que se desenvolvem numa sociedade em crise, como resposta desesperada de classes que pretende impor ou manter pela força o seu domínio, subordinando a sociedade aos seus interesses. Foi assim que se preparou e desencadeou o assalto do nazi-fascismo ao poder no século passado.

No mundo de hoje encontramos traços igualmente inquietantes.

As esperanças de futuro andam minadas pelo pesadelo de graves crises sociais e económicas, pela instabilidade, a insegurança laboral, a polarização da pobreza e da riqueza. A crescente desigualdade planetária na distribuição dos recursos e rendimentos, criam angustiantes factores de destabilização e conflitual idade, agravados por uma política de guerras e dominação.

Proclamam-se os «ventos da História» como processo sem possibilidades de resistência humana, reaparecem teorias para uma «nova ordem mundial», martela-se o catecismo neo-liberal como se houvesse um «pensamento único», dogmatiza-se o que é considerado «po­liticamente correcto», anuncia-se «o fim da História», lançam-se campanhas de descrédito contra as conquistas democráticas, sociais e nacionais.

A violência da exploração, a injustiça social, corroem a democracia, retira-lhe apoios sociais, porque a democracia política não é acompanhada por uma justiça social, dando-se prioridade à concentração de lucros e capitais, com as consequências sociais e medidas políticas a que isso conduz. Desacreditam-se instâncias políticas, conceitos ideológicos e valores sociais que estavam credibilizados com a vitória da democracia, deixando as pessoas numa massa mais maleável para a demagogia e a manipulação.

É um terreno onde o fascismo, a sua ideologia, a sua prática de violência, o seu desprezo pelos direitos humanos e pela democracia têm condições para manipular ressentimentos e explorar rancores, revoltas e descontentamentos.

A luta antifascista mantém-se, pois, como necessidade actual da democracia.

A nossa União de Resistentes Antifascistas considera que nela não podem apenas estar empenhados os que viveram e conheceram a ditadura fascista. A participação das novas gerações é essencial.

Nesse sentido, estamos desenvolvendo uma acção para a formação de núcleos de juventude antifascista, integrando-os, a todos os níveis, nas estruturas da nossa União de Antifascistas. A Ana Pato e o Paulo Marques, aqui presentes como membros do Conselho Directivo da URAP, já nasceram depois do 25 de Abril.

A luta antifascista é património que diz respeito a todos os que querem um Portugal de Liberdade, Democracia e justiça social, num mundo de paz, cooperação e respeito pelo ser humano.

Também por isso estamos aqui prestando homenagem a estes antifascistas que deram a vida na luta por essas causas.

Fascismo: nunca mais!

9 de Fevereiro de 2008
Aurélio Santos

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Intervenção de Américo Leal na inauguração da exposição
"O 18 de Janeiro de 1943 em Portugal e em Sines"

 

A todos o meu agradecimento por me ser proporcionado que como testemunho vivo vos exponha, o que conhecemos do movimento operário em Sines pelo 18 de Janeiro de 1934.

Gostaria de em primeiro lugar vos afirmar que, o conhecimento que tive do acontecimento em Sines, não se deve tanto ao facto dos meus 12 anos de idade de então, mas principalmente a factores pouco comuns para a minha idade que se devem à convivência a partir de meu pai, com quase todos os trabalhadores que dirigiram, organizaram e intervieram no Movimento. E ainda ao facto (aliás mencionado no livro "Quem Somos"), da confiança dessas pessoas em falarem na minha presença, como acompanhante regular de meu pai, facto que atribuo à minha postura de grande atenção que sempre manifestei, permanecendo calado às conversas de um grupo restrito de trabalhadores de vanguarda, que à noite após a sua jornada de trabalho, se juntavam no estabelecimento do conhecido e prestigiado antifascista, o senhor JOÃO BARBOSA. Só assim se explica o ter ouvido, inclusivamente, a leitura da primeira carta que TOMÁS GAZIL, membro da Comissão de Luta preso, enviou da prisão em Lisboa à sua família.

Aliado a isto, mais tarde já como membro do organismo de Direcção Regional do Alentejo Litoral e responsável pelo acompanhamento da organização do Partido Comunista Português em Sines, ter trabalhado com ANTÓNIO BOTELHO, membro do organismo de Direcção da classe Corticeira e com JOSÉ MARIA FERREIRA do Comité Local de Sines.

Faço estas anotações, por conhecer que em dois factos históricos da luta do povo de Sines, concretamente passados no 18 de Janeiro de 1934 e na luta por aumento no racionamento em 1946, em que tive participação activa, de dois documentos que vieram a público em que a fonte a que os autores foram beber, conter afirmações que não condizem com a realidade.

Isto quer dizer que afirmações, como a relacionada com a Comissão de Luta na paralisação geral de Sines no 18 de Janeiro, haver nomes que foram omitidos, enquanto a outros lhes foi atribuído um papel que não tiveram. Também a esses eu conheci de perto.

Queridos Amigos

Continuo a referir-me ao 18 de Janeiro em Sines, seguindo o relato apresentado em 1989 e confirmado na comemoração do 55º aniversário

do acontecimento na sessão realizada no Salão Nobre da Câmara Municipal de Sines, com a presença de combatentes que em parte conheceram o acontecimento.

Assim, do que se conhece, tudo parece comprovar que na véspera do 18 de Janeiro, por estafeta ou carta (referência feita por activistas, sem contudo precisarem qual das duas coisas) chegada na carreira da noite, a confirmar que a classe operária paralisaria no dia seguinte e que se tratava (como então se afirmava em Sines) de um levantamento nacional e em que, nos centros operários mais fortes, os trabalhadores deveriam ocupar os postos das forças da GNR que aí existissem.

Isto explica porque somente no próprio dia 18 de Janeiro, às 8 horas da manhã, hora de entrar ao trabalho, trabalhadores activistas ligados à Comissão de Luta se tenham apresentado ao portão das fábricas com a palavra de ordem para largar o trabalho e concentrar de seguida na "Praça".

E foi assim que aconteceu na fábrica de cortiça Monteiro & Fernandes, onde eu estava trabalhando. O meu pai foi chamado ao portão, onde outro elemento lhe colocou a tarefa de ir imediatamente às restantes fábricas da área, com igual apelo, tarefa que o meu pai cumpriu correndo e que eu tive conhecimento de ter acontecido o mesmo nas restantes áreas de localização das fábricas de cortiça, de obras da construção civil e de oficinas.

Cerca das 9 horas da manhã, a paralisação laboral na vila era completa e, pouco depois, todo o comércio tinha encerrado, respondendo ao apelo feito directamente pela Comissão de Luta, acompanhada de muitos trabalhadores a percorrer as ruas da vila.

Em 1934, três classes profissionais dominavam a vida económica e política da vila de Sines: os Corticeiros, a mais numerosa, a mais organizada e activa na luta político/reivindicativa; os trabalhadores ligados à actividade Marítima, compreendendo os pescadores, os descarregadores de mar e terra, os estivadores e alguns soldadores manuais na indústria de conservas de peixe que ainda tinham resistido à entrada em acção das cravadoras mecânicas na indústria de conserva (situação que na altura ainda se manteria na Fábrica da Praia) e a Construção Civil, em número muito pequeno.

Sabe-se, por informação de corticeiros ligados à Comissão de Luta que esta terá abordado a indicação recebida da tomada do posto da GNR, operação posta de parte pelo comportamento da GNR, ao meter-se dentro do posto, situado no primeiro andar da torre do Castelo.

Tudo leva a crer que a GNR, comandada por um primeiro cabo, ao ter conhecimento da paralisação e devido à posição fortificada do posto, situado dentro de castelo, preferisse remeter-se a ficar retido no posto, com a porta do Castelo fechada, a correr o risco de vir para a rua, ficando vulnerável no meio da multidão em luta.

Havendo presença de trabalhadores desde os Penedos até ao Rossio, a força da concentração situava-se na "Praça" (Praça Tomás Ribeiro) e junto ao Castelo, onde permaneceu até à chegada da carreira ao fim do dia, para obter notícias sobre o acontecimento no País.

Com a chegada da carreira, e com ela a confirmação de que a paralisação não tinha atingido o nível de participação nacional previsto e muito menos o seu objectivo político, os trabalhadores de Sines, compreenderam que a conquista das reivindicações apresentadas e a cedência da ditadura de Salazar era bem mais difícil do que poucas horas atrás muitos tinham pensado e, da parte da Comissão de Luta, ficou desde logo a certeza de que a repressão não se faria esperar.

De facto, no dia seguinte, em que foi normalizado o regresso ao trabalho, vários elementos da Comissão de Luta tomaram a iniciativa de tomar medidas de defesa não aparecendo em público. Porém, TOMÁS GAZIL e PEDRO CHAPA foram presos e enviados para uma prisão em Lisboa onde foram submetidos a interrogatório pela PVDE, acabando por serem postos em liberdade, creio que passados alguns meses.

A paralisação total da actividade económica na área da vila durante todo o dia, e o facto do Movimento de 18 de Janeiro não ter atingido o seu objectivo, criou nos trabalhadores activistas, o receio de repressão policial, de que resultou, como medida de precaução, a saída da terra de alguns trabalhadores para trabalhar fora de Sines.

Creio que por estratégia ou receio, o facto da GNR se ter mantido no seu aquartelamento, retirou a esta, a possibilidade de localização dos principais activistas do Movimento, permitindo aos elementos da Comissão de Luta presos, uma maior possibilidade de defesa quanto ao seu envolvimento na luta.

Estou em condições de vos afirmar que o 18 de Janeiro de 1934 envolveu, na sua acção em Sines, duas forças políticas na concretização da paralisação e concentração. Refiro-me aos anarco-sindicalistas e aos comunistas, estes em número largamente superior, nos activistas corticeiros, a classe mais numerosa, a mais activa e de maior influência mobilizadora na população laboriosa de Sines.

Mas, também se verificou uma solidariedade política da parte de figuras tidas como republicanas de enorme prestígio na terra, quer na adesão do comércio no seu encerramento, quer em pôr água na fervura junto das autoridades locais, quanto aos "cabecilhas" da mobilização.

O 18 de Janeiro em Sines teve a expressão que se conhece, porque a indústria corticeira teve aqui uma forte concentração motivada por Sines ser durante décadas o porto de embarque de cortiça para exportação, por a classe corticeira estar organizada e ter uma larga experiência de luta à volta de reivindicações salariais que vinha do início do século XX e que veio a marcar, definitivamente, uma viragem da influência anarco-sindicalista para o lado dos comunistas, influência reforçada precisamente a partir da sua reorganização em 1940/41.

A Comissão de Luta era composta por:
ALBERICO - operário corticeiro
EMÍLIO FERREIRA - operário padeiro
MANUEL ESTOLANO - operário da construção civil
PEDRO CHAPA - descarregador de mar e terra
TOMÁS GAZIL - barbeiro

No número de quadros intermédios que actuaram em ligação com a Comissão de Luta, que foram de facto os que pela sua acção directa e grande prestígio na classe, levaram ao encerramento das fábricas e à concentração no centro da vila, conhecem-se os nomes dos corticeiros ANTÓNIO BOTELHO, AUGUSTO RATO, JOSÉ LÁZARO, VASCO LENTES, ANTÓNIO VILHENA, e FRANCISCO BEJA e JOSÉ PIO da construção civil.

Nos republicanos que se solidarizaram no 18 de Janeiro, como se solidarizaram e deram a sua solidariedade nas grandes lutas, como nas paralisações da actividade económica seguida de concentração na rua a 21 de Junho e a 17 de Julho de 1926 contra a nomeação do Administrador do Concelho resultante do recente golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, destacaram-se entre outras, três famílias de comerciantes e pequenos proprietários progressistas, pela sua ligação aos trabalhadores e ao povo: a FAMÍLIA BARBOSA; a FAMÍLIA FERREIRA e a FAMÍLIA GUISADO.

Das empresas de cortiça existentes em 1934, com um total de trabalhadores estimado em mais de quinhentos (500), mas que em épocas de maior laboração se aproximava dos mil (1.000), recordo, pelo nome que eram conhecidas na população:

A Empresa Abel de um só proprietário
A Empresa António Faria e Madrugo (Sociedade)
A Empresa Buknal (Sociedade)
A Empresa Carlos Esteves de um só proprietário
A Empresa Edmundo Prata de um só proprietário
A Empresa Francisco Fernandes (Sociedade Monteiro & Fernandes)
A Empresa Grané de um só proprietário - catalão
A Empresa Herold (Sociedade)
A Empresa José Marreiro de um só proprietário
A Empresa José da Rosa de um só proprietário
A Empresa Manuel Caetano de um só proprietário
A Empresa Paulito & Faria (Sociedade)
A Empresa Wicander (Sociedade)

Queridos Amigos

Numa oportunidade que me é dada para expor, como testemunho vivo, nesta exposição da URAP sobre o 18 de Janeiro de 1934, permitam-me que vos exprima que, embora o Movimento aqui recordado não tivesse atingido o que a classe operária portuguesa e os seus promotores se esforçaram por conseguir; apesar da repressão salazarista e que a um elevado número de trabalhadores da Marinha Grande custou, inclusivamente, anos de prisão na Fortaleza de S. João Batista e mais tarde a deportação para o Tarrafal, o seu exemplo de coragem e combatividade deu os seus frutos, permitindo, entre derrotas e vitórias partir para novos combates. Assim foi na Marinha Grande, em Sines e noutros centros operários do País, como uma escola de aprendizagem que muito nos ajudou, educou e possibilitou chegarmos ao 25 de Abril de 1974.

Américo Leal

Sines, 18 de Janeiro/2008

                                              

                                                       

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Intervenção de Aurélio Santos na inauguração da exposição 
"O 18 de Janeiro de 1934 no País e em Sines"

Nos anos 20 do século passado em toda a Europa vivia-se um período de grande crise social e política.

Na Alemanha, os grandes grupos financeiros e industriais do aço, da energia, do armamento, promoveram a tomada do poder pelo partido nazi de Hitler.

Na Itália, foi o partido fascista de Mussolini que tomou o poder. A sombra negra do nazi-fascismo começou a alastrar pela Europa.

Em 1926, a maré reaccionária que alastrava na Europa chegou a Portugal.

A 28 de Maio um golpe de estado militar, instaura a ditadura. O Parlamento foi dissolvido, instala-se a censura à imprensa, são proibidos os partidos políticos, demitidas as vereações municipais. Inicia-se a perseguição às organizações sindicais, aos sindicatos, aos democratas.

Numa Europa onde nada parecia deter a onda fascista, onde Hitler triunfava e Mussolini parecia consolidar-se, as potências imperiais do capitalismo sonhavam ver essa onda sangrenta lançar-se exclusivamente sobre o Estado Socialista saído da Revolução de Outubro.

.... ....

Nessa Europa do princípio dos anos 30 também em Portugal se consolidava o fascismo.

Promulgada a Constituição de 1933, o salazarismo avançava violentamente para a edificação do regime fascista. As classes dominantes portuguesas, depois de se terem apossado do poder político, sob a égide de Salazar criavam o edifício jurídico que lhes permitiria o espoliamento de todo o País em benefício do capital e dos grandes agrários,

Passo determinante dessa escalada era, naturalmente, a destruição do movimento operário legal, a liquidação das estruturas sindicais e de classe, iniciadas com o Estatuto do Trabalho Nacional e completada com o conjunto de decretos-lei que se lhe seguiram.

O artº 16º desse Estatuto definia como princípio essencial «O direito de conservação ou amortização do capital das empresas e o seu justo rendimento são condicionados pela natureza das coisas, não podendo prevalecer contra ele os interesses ou direitos do trabalho».

E daqui se arrancava para impor ao trabalho a total submissão ao capital.

Submissão que não poderia exclusivamente basear-se em dar força de lei aos desejos de capitalistas e latifundiários. Necessário se torna impedir que os trabalhadores tivessem meios para recusar tais princípios e práticas, necessário se tornava liquidar os sindicatos livres e independentes.

Com o decreto-lei 23050, o fascismo declarava guerra ao movimento sindical. Mas, de acordo com a hipocrisia característica do salazarismo, o caminho, imposto pela própria realidade e força da organização operária, foi o da regulamentação que transformasse as estruturas forjadas pelos trabalhadores em instrumentos inoperantes e dóceis. Aos sindicatos que não se sujeitassem à transformação dos seus estatutos de acordo com as imposições legais fascistas - e foram quase todos - se aplicou então a pura e simples dissolução para dar lugar aos sindicatos «nacionais», ao serviço do regime fascista.

A proibição da greve, as limitações ao funcionamento de assembleias-gerais e à eleição de dirigentes, o controlo sobre a vida interna, das finanças às instalações, da cobrança de cotas à contratação, garantiam ao capital que esses sindicatos «nacionais» seriam bem diferentes das combativas organizações de classe por ele defrontadas até então.

Foi contra essa avançada do fascismo que se levantaram em 1934 os combatentes do 18 de Janeiro.

No Diário do Governo imprimia-se a legislação que abria caminho ao terror fascista e à exploração desenfreada do País em benefício de capitalistas e latifundiários. O medo espraiava-se lentamente como epidemia soprada pela violência e a fome.

Iam então já decorridos oito anos de prisões e deportações, torturas e assassinatos, assaltos e ameaças, exílios e miséria.

A repressão e a lei ditaram o fim dos sindicatos independentes no final de 1933.

Mas duas semanas depois o fascismo sabia que a vontade de luta e determinação se mantinham vivas no Povo Português.

A 18 de Janeiro de 1934, os trabalhadores de muitos centros industriais, na Marinha Grande, aqui em Sines, em Lisboa, Setúbal, Barreiro, Silves, Coimbra, fizeram greves de protesto contra o decreto que ilegalizava os sindicatos livres e impunha os sindicatos fascistas, com filiação obrigatória.

Na Marinha Grande a greve teve proporções de insurreição, com ocupação da vila pelos trabalhadores.

... ... ...

Estamos aqui, também, para prestar homenagem aos antifascistas que nesse 18 de Janeiro se levantaram heroicamente contra o avanço da ditadura salazarista.

Mas a sua acção justifica algumas reflexões da nossa parte.

Em primeiro lugar, sobre a própria questão da implantação do fascismo.

Nós, na URAP, temos dito muitas vezes que só uma grave ou leviana incompreensão da História pode levar à convicção de que o 25 de Abril pôs Portugal definitivamente ao abrigo de qualquer regime autoritário ou ditatorial que restabeleça as políticas e mesmo alguns métodos que o fascismo quis impor ao mundo na sua versão do século XX.

O fascismo não é um fenómeno histórico de uma determinada conjuntura.

Tem carácter universal, com raízes sociais e económicas que aparecem como resposta desesperada numa economia em queda, quando uma classe pretende impor pela força a manutenção do seu domínio e dos seus interesses. Foi num cenário assim que se preparou e desencadeou no século XX o assalto do nazi-fascismo ao poder, com expressões próprias nos vários países da Europa.

O balanço dessa época, que levou ao desencadeamento da II Guerra Mundial, ainda está por fazer.

....  ....

Estamos hoje num mundo adverso, às vezes sornamente, à liberdade, ao progresso, ao bem-estar. As esperanças de futuro andam minadas por uma globalização que agrava à escala planetária factores de crise económica e social.

Intensificam-se as incidências sociais duma política económica que mantém e retoma a que o fascismo praticou.

Desacreditam-se instâncias políticas, conceitos ideológicos e valores políticos que estavam credibilizados com a vitória da Democracia. A demagogia procura tornar as pessoas numa massa mais moldável pela manipulação.

A instabilidade e a insegurança laboral, a polarização da pobreza e da riqueza na distribuição dos recursos e rendimentos, uma política de guerras e dominação, criam angustiantes factores de destabilização.

....  ....

Não pode deixar de nos alertar a insidiosa campanha do branqueamento da ditadura fascista e o falseamento da memória, com apagamento dos que mais lutaram para ser livre o terreno que hoje pisamos.

È bom lembrar que o fascismo foi benevolentemente acompanhado e apoiado, mesmo depois do ascenso de Hitler ao poder, por círculos dirigentes económicos e políticos que nele viam um instrumento útil para a contenção, repressão e esmagamento das fortes movimentações sociais que se desenvolviam nos seus países.

Nem Hitler talvez teria chegado ao poder ( por via eleitoral, é bom recordar) sem o apoio e a cumplicidade do grande capital financeiro e industrial alemão, que no seu programa de militarização, expansão territorial e domínio mundial, via uma ocasião para aumentar proventos e sair da crise em que estava mergulhado após a derrota de 1918. Mas esses mesmos círculos viram também no programa nazi uma forma de reforçar o seu domínio político, com os conceitos nazis de estruturas ditatoriais de poder e de liquidação das liberdades democráticas.

....   

Tudo isto me leva a valorizar altamente lutas que, como o 18 de Janeiro, se levantaram contra o fascismo na sua fase ascendente de implantação, dando base à criação das forças de resistência que não cederam às ameaças com que o fascismo quis impor a sua política.

Apesar de não ter alcançado os seus objectivos, as lutas do 18 de Janeiro de 1934 tiveram uma grande importância histórica que, ainda hoje justificam a nossa homenagem, o nosso apresso e a nossa reflexão.

Elas são uma prova do papel de vanguarda que tiveram, na luta contra o fascismo e pela liberdade, os trabalhadores e as suas organizações políticas e de classe. Elas são uma comprovação de que o fascismo nunca teve em Portugal um apoio popular. Elas demonstram como, desde os primeiros anos da ditadura as lutas contra o fascismo foram semeando os cravos que 40 anos mais tarde floriram nas «portas que Abril abriu», como disse Ary dos Santos, o grande poeta de Abril.

E que, como ele dizia no seu poema, são as portas que não deixaremos fechar.

Aurélio Santos

Sines, 18 de Janeiro/2008  

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Prezados amigos e companheiros antifascistas,

A queda do fascismo só chegou a Portugal em 1974, com a revolução que ficou conhecida no mundo como a Revolução dos Cravos.

Com a Revolução antifascista o povo português criou em Portugal um regime de Democracia avançada, abrangendo, além da democracia política, vertentes económicas e sociais, que abriram possibilidades de grandes passos em frente do nosso país para superar as condições de miséria, injustiças e obscurantismo que meio século de ditadura fascista e 12 anos de guerras coloniais tinham imposto ao nosso povo.

É com profunda preocupação que nós, resistentes e antifascistas, vemos emergir na sociedade portuguesa, 30 anos após a instauração da democracia, inquietantes campanhas de branqueamento da ditadura fascista, dos seus crimes e das suas políticas, tentativas de reabilitação dos seus responsáveis e mentores, a par do apagamento do significado e valores da luta antifascista e da memória daqueles que lutaram para que fosse livre o terreno que hoje pisamos.

A luta antifascista mantém-se como necessidade actual.

A nossa União de Resistentes Antifascistas Portugueses considera que nela não podem apenas estar empenhados os que viveram e conheceram a ditadura fascista. A participação das novas gerações é essencial.

Nesse sentido, estamos desenvolvendo uma acção para a formação do que chamamos núcleos de Juventude Anti Fascista, integrados, a todos os níveis, nas estruturas da nossa União de Antifascistas.

A nossa camarada Ana Pato que vos vai apresentar a intervenção da URAP, é um dos dirigentes mais jovens do Conselho Directivo da nossa organização, a União de Resistentes Antifascistas Portugueses.

Amigos e companheiros antifascistas,

Na Segunda Guerra Mundial não esteve apenas em questão a luta por uma nova repartição do mundo entre as grandes potên­cias capitalistas. A guerra foi o culminar de uma gigantesca con­frontação em que estavam em jogo questões vitais para toda a humanidade, com decisivas implicações sociais, económicas, ideo­lógicas e políticas.

O nazi-fascismo foi a expressão da mais grave ameaça que nesses anos pesou sobre a humanidade.

Há quem diga que o fascismo já passou à História. Mas o fascismo não é um fenómeno histórico com referência exclisiva a uma determinada conjuntura. Tem raízes sociais e económicas que se desenvolvem numa sociedade em crise, como resposta desesperada duma classe que pretende impor ou manter pela força o seu domínio, subordinando a sociedade aos seus interesses. Foi assim que se preparou e desencadeou o assalto do nazi-fascismo ao poder no século passado.

Só uma grave ou leviana incompreensão da História pode levar à convicção de que a derrota do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial pôs em definitivo o mundo ao abrigo de regimes autoritários ou ditatoriais que restabeleçam os métodos e as políticas que o fascismo quis impor ao mundo na sua versão do Século XX.

No mundo de hoje encontramos igualmente traços de crises sociais, políticas, económicas, ideológicas, que projectam inquietantes perspectivas para a humanidade.

As esperanças de futuro andam minadas pela instabilidade, a insegurança laboral, a polarização da pobreza e da riqueza. A crescente desigualdade planetária na distribuição dos recursos e rendimentos, a deslocação de milhões de pessoas a quem são negados direitos e meios de sobrevivência criam angustiantes factores de destabilização e conflitualidade, agravados por uma política de guerras e dominação.

A violência da exploração, a injustiça social, corroem a democracia, retira-lhe apoios sociais, porque a democracia política não é acompanhada por uma justiça social, dando-se prioridade à concentração de lucros e capitais, com as consequências sociais e medidas políticas a que isso conduz. Desacreditam-se instâncias políticas, conceitos ideológicos e valores sociais que estavam credibilizados com a vitória da democracia, deixando as pessoas numa massa mais maleável para a demagogia e a manipulação. À sombra do combate ao terrorismo e do medo à violência, que acompanha os factores de desagregação social, desrespeitam-se direitos humanos, liquidam-se liberdades.

É um terreno onde o fascismo, a sua ideologia, a sua prática de violência, o seu desprezo pelos direitos humanos e pela democracia têm condições para manipular ressentimentos e explorar rancores, revoltas e descontentamentos.

Não pode deixar de nos alertar a insidiosa campanha em curso de branqueamento das ditaduras fascistas e falseamento da memória da luta antifascista, numa ofensiva ideológica que é acompanhada pelo aparecimento e desenvolvimento de grupos neo-nazis e neo-fascistas, ao mesmo tempo que as forças de direita e extrema-direita ganham terreno no espaço europeu.

Esses movimentos neonazis não nascem do vazio. Nem vivem do nada. São alvo de orquestração e objecto de financiamento de forças que tentam, por vários meios, doutriná-los ideologicamente e manobrá-los politicamente.

Já se propuseram fazer em Lisboa, em Abril último, uma conferência internacional de grupos neofascistas, neonazis, racistas e xenófobos, a par de forças de direita e extrema-direita da Europa, para, segundo afirmavam, «desenvolverem o seu activismo na Europa». Só não se realizou porque as forças progressistas portuguesas, num protesto em que a nossa organização teve parte activa, reclamaram das autoridades o cumprimento dos preceitos constitucionais portugueses que proíbem actividades fascistas, racistas e xenófobas. A intervenção da Procuradoria-Geral da República, em vésperas da sua realização, permitiu detectar diversas armas entre os organizadores da conferência e realizar diversas detenções de indivíduos já anteriormente acusados de graves crime de racismo e xenofobia.

Em Portugal, o branqueamento e reabilitação do fascismo tomam também outras formas, que ganharam maior relevo nos últimos meses.

Desenvolveram, durante semanas, uma campanha televisiva, sob a forma de concurso, para apresentar Salazar como «o melhor português de sempre». Pretendem criar um «museu Salazar» na terra natal do ditador fascista. Organizam romagens ao seu túmulo, apresentando-as como um protesto contra o que chamam «a longa noite democrática». Querem promover e impor à democracia portuguesa um partido racista e xenófobo comprado por um grupo neonazi a um partido em falência financeira,numa operação de autêntica fraude política.

Consideramos pois que a denúncia do fascismo e a luta antifascista se mantêm como necessidade actual das aspirações humana de paz e liberdade.

Nesse sentido temos como preocupações principais o reforço da actividade da URAP, com a consolidação dos seus Núcleos e a sua projecção na sociedade portuguesa, o alargamento às novas gerações, o desenvolvimento de iniciativas que reforcem os sentimentos antifascistas do povo português.

Publicamos um Boletim da nossa organização, temos um «site» na Internet, desenvolvemos regularmente iniciativas, exposições, debates, promovidos pelos nossos Núcleos locais, temos intervenção activa nas iniciativas realizadas no plano nacional e local de valorização da Democracia e dos direitos democráticos.

A nossa principal iniciativa de projecção nacional neste momento é  a criação de um Museu da Resistência na Fortaleza de Peniche, uma prisão onde estiveram detidos durante longos anos muitos dos mais valorosos antifascistas portugueses. É uma iniciativa que a nossa União de Antifascistas está promovendo segundo um Protocolo de cooperação assinado com a Câmara Municipal de Peniche, e para a qual procuramos mobilizar historiadores, artistas o povo de Peniche, os antifascistas e democratas portugueses e o povo português em geral, e para a qual pedimos também a cooperação internacional.

Assim desenvolvemos a luta para levar à prática a nossa palavra de ordem:

                              FASCISMO NUNCA MAIS!

 

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